O Conto da Princesa Kaguya (Kaguya-hime no Monogatari – 2013)
Como se fosse necessário ainda citar algum exemplo da total irrelevância do Oscar, principalmente enquanto parâmetro de qualidade, eu acredito que bastaria mencionar a derrota ultrajante desta refinada obra-prima dos estúdios Ghibli para a grande bobagem esquecível que é “Operação Big Hero”.
O diretor/roteirista Isao Takahata, responsável pela pérola “O Túmulo dos Vagalumes”, opta por realizar uma adaptação extremamente fiel da mais antiga narrativa folclórica japonesa existente, “O conto do cortador de bambu”.
A beleza não reside na trama, sem novidade alguma para aqueles que já conhecem a história, mas, sim, na forma como ela é contada, utilizando uma técnica de animação que prima pela simplicidade, inspirada na pintura japonesa feita com tinta de caligrafia, o Sumi-ê, que leva em consideração o sentimento do artista em sua execução, tentando deixar transparecer a alma e a harmonia interna, elementos mais importantes do que o tema que o artista está trabalhando.
Como forma de perceber a riqueza deste estilo, analise como o traço é classicamente bonito e suave, por exemplo, nas cenas em que vemos a bebê adorável aprendendo a andar, contrastando brutalmente com o traço borrado nas cenas em que a protagonista está emocionalmente perturbada.
E, inserido no contexto da narrativa, vale destacar a crítica que é feita à submissão feminina na sociedade, a pressão que a jovem sofre dos pais, que entendem o ritual do casamento como a óbvia definição da felicidade, quando, na realidade, ela quer apenas conviver com seus amigos de infância, correndo descalça pelo campo, sorrindo e chorando sempre que esses sentimentos brotarem espontaneamente.
As regras dizem que, no intuito de conquistar seus ricos pretendentes, ela deve aprender a conter todos os rompantes de emoção. Quando alguém aprende a andar imitando os movimentos das rãs, tendo a natureza, com sua maravilhosa imprevisibilidade, como modelo na vida, acaba se tornando impossível a aceitação conformista de qualquer ritual criado e imposto pelos humanos.
É forte a cena, emoldurada pela linda trilha sonora de Joe Hisaishi, em que enxergamos a alma da menina se quebrar, enquanto ela tem suas sobrancelhas raspadas, em preparação para uma maquiagem pesada que a impeça de verter lágrimas.
Ao debochar da necessidade de escurecer os dentes, retirando facilmente a tinta numa escovada, para o espanto de sua colega, Kaguya evidencia quão frágil é a teatralidade que, ainda hoje, move o mundo, nos mais variados setores. A relevância desta discussão é muito atual, basta estudar sobre a princesa japonesa Masako Owada, a “princesa triste”.
Por baixo da camada de fantasia, o que me cativou foi a inteligência de transmitir valores tão importantes, de forma tão ousadamente direta, em um projeto que tinha tudo para ser compreensivelmente convencional.
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