O Nascimento de Uma Nação (The Birth of a Nation – 1915)
O cenário é ambientado na Guerra Civil americana. Um tribunal formado por negros, mostrados como um bando de deselegantes e bagunceiros, onde acaba de ser oficializada a lei que permite o casamento entre raças.
No mesmo momento, todos os negros, dentro e fora do tribunal, começam a perseguir as mulheres brancas, com a câmera evidenciando o olhar de tarado, os maneirismos de um louco, enquanto os pais tentam proteger as filhas. Mais adiante, um intertítulo debocha do que seria uma “nova aristocracia”, mostrando negros, ou, melhor dizendo, brancos com maquiagem, em trajes nobres, bebendo vinho em volta de uma elegante mesa. E estas são apenas duas cenas extremamente revoltantes, dentre as várias que a trama apresenta.
Os membros da Klu Klux Klan são os salvadores da pátria, os heróis que resgatam os desamparados brancos das garras dos desordeiros e loucos negros. O mais importante, porém, é não deixar que este contexto odioso afaste você deste importante marco histórico cinematográfico.
Quando o diretor D.W. Griffith escolheu adaptar o livro “The Clansman”, algo que toma praticamente toda a segunda metade do filme, uma narrativa que descaradamente defendia que os membros do clã salvaram o sul do domínio dos negros, negando a eles o direito ao voto, ele abraçou uma absurda causa perdida já em sua época. Ele foi corajoso, isto deve ser salientado, ao conduzir uma adaptação tão fiel àquela asquerosa ideologia. E, muito provavelmente, caso a estrutura fosse convencional, sem os avanços técnicos e de linguagem, nós nunca teríamos ouvido falar de “O Nascimento de Uma Nação”.
O curioso é que seria uma tremenda injustiça, já que o projeto é um primor em sua execução, com um ritmo ágil que torna suas três horas de duração, em silêncio, mais instigantes que muitos blockbusters barulhentos modernos.
Do choro escondido da personagem de Lillian Gish, ao ver seus irmãos indo para a guerra, passando pela bela composição das grandiosas batalhas em campo aberto, até a sutileza sombria de um pai que se prepara para eliminar a filha, ao perceber que ela será agredida pela turba que tenta invadir a sua casa, Griffith preenche cada situação com um impressionante senso de detalhe, sendo pioneiro até no uso de simbolismo visual, como na cena de luta entre dois gatos, preto e cinza, que antecede um conflito familiar.
Ele, com maestria, interligava múltiplos planos de ação, o tempo dramático substituindo o tempo real, a montagem paralela que o próprio havia executado pela primeira vez no curta “The Lonely Villa”, de 1909. O que acontece é que a maioria daqueles que analisam a obra negativamente, ou com pura indiferença, assim eu creio, efetivamente não dedicaram tempo em uma revisão integral.
Em “Django Livre”, Tarantino realizou uma paródia estilo “Looney Tunes” de alguns dos momentos mais degradantes do épico mudo, porém, o cineasta moderno não possui em toda sua pretensão infantilizada, por mais divertidos que seus filmes sejam, o brilhantismo estético que Griffith esbanjava em seus trabalhos.
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Convite à reflexão: ética e estética,