Críticas

“Os Meninos”, de Narciso Ibáñez Serrador

Os Meninos (¿Quién puede matar a un niño? – 1976)

Um grupo de turistas chega a uma macabra ilha em que todas as crianças enlouqueceram e começaram a eliminar os adultos.

O início, em tom documental, evidencia o sofrimento das crianças, de diferentes épocas e lugares, através das guerras, com a perda brutal de uma inocência que é extirpada pelos atos doentios dos adultos.

As perturbadoras cenas reais já preparam o espírito do espectador para a contundência da crítica que será trabalhada pelo diretor Narciso Ibáñez Serrador, em uma alegoria que insere um casal de estrangeiros em uma ilha dominada por crianças.

Elas, como os pássaros no clássico de Hitchcock, representam o elemento do revide, uma justa e incontrolável retribuição metafórica, despertada pelo impulso destrutivo e antinatural do homem. Como sugestão de leitura em um tema similar, recomendo o excelente conto: “O Pequeno Assassino”, de Ray Bradbury.

É impressionante a coragem do roteiro, estabelecendo desde o princípio uma onipresente sensação de maldade, ainda que a câmera evite captar efetivamente a violência, como na sequência de ataque ao idoso. A sugestão é intensamente mais apavorante.

A fotografia, de José Luis Alcaine, que viria a ser parceiro frequente de Almodóvar em seus projetos, utiliza com inteligência a natureza isolada do local para aprisionar cada vez mais os personagens. Ao revestir os atos sádicos das crianças com um verniz de diversão, a cena da piñata humana, a trama aperta o dedo na ferida, fazendo lembrar os soldados que extravasam a tensão da batalha humilhando os adversários sem vida.

Sem revelar muito sobre a trama, em respeito aos que ainda irão ver, vale ressaltar também que Evelyn (Eve, Eva), vivida por Prunella Ransome, já tem dois filhos e está grávida, como ficamos sabendo no decorrer da história, de um bebê que sobreviveu a uma tentativa de aborto. Este detalhe enriquece a alegoria proposta pelo filme, inserindo uma importante crítica à parentalidade irresponsável.

Um excelente filme que merece maior reconhecimento, provocador como poucos, um verdadeiro soco no estômago.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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