A Infância de Ivan (Ivanovo Detstvo – 1962)
Uma criança psicologicamente destruída pela guerra, tentando, com incrível resiliência, esforço transmitido elegantemente na opção do diretor pelas poéticas sequências oníricas, manter viva uma réstia de inocência, confrontando a crueldade dos adultos. Toda sua família foi assassinada pelos nazistas. Como sugestão, veja a obra numa dobradinha com “Os Meninos”, de Narciso Ibáñez Serrador, que apresenta uma crítica menos sutil, porém, tão eficiente quanto, sobre o mesmo tema.
Nesse primeiro trabalho, o menos hermético em sua filmografia, Andrei Tarkóvski exercita sua sensibilidade ao introduzir no roteiro o elemento do sonho, algo inexistente na obra original de Vladimir Bogomolov, abusando do recurso de imagens em negativo e truques com ângulo de câmera, na tentativa de emular a atmosfera de irrealidade, amalgamando esses artifícios a um resgate emotivo de suas próprias memórias, compondo cenas inesquecíveis como a dos cavalos comendo maçãs, ou, especialmente, logo no início do filme, o voo do menino, aquela que considero uma das mais perfeitas representações deste elemento no cinema. A cada sonho revelado, indo do idílico inofensivo ao sombrio premonitório de uma tragédia iminente, nós conseguimos enxergar claramente a gradativa morte da esperança.
A cena que insere a obra no especial ocorre no poderoso desfecho, o último sonho, a forma altamente simbólica encontrada pelo diretor de transferir a carga de culpa para a consciência do espectador. Sem revelar muito, em respeito àqueles que ainda não viram o filme, a cena nos conduz por vislumbres da realidade de uma infância que o menino não teve oportunidade de experimentar. A mãe sorridente que se afasta zelosa e a interação divertida com outras crianças, contrastando com a presença perturbadora de uma vigilante árvore seca. Ele vê uma menina, o flerte ingênuo, a corrida para tentar alcançar aquela figura.
O relacionamento que ele nunca irá vivenciar. Ivan então a ultrapassa, correndo sobre as águas. Ele parece ter se tornado sobre-humano, até que a figura da árvore, a maléfica interferência adulta, interrompe bruscamente seu caminho.
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