“Eu não sou um cineasta que gosta de contar histórias, ainda
que eu goste de ver filmes que contem histórias”.
É compreensível que uma boa parte do público brasileiro não
conheça o trabalho do diretor Sylvio Back, apesar de seu conjunto de obra
representar, na opinião desse escriba, uma das filmografias mais coerentes e
autorais de nossa indústria. Ao analisar com atenção a seleção dos temas que
ele abordou, em ficção e documentário, enxergo uma qualidade muito pouco
interessante para a grande mídia, o que explica em parte o seu obscurantismo no
cenário mainstream, a ousadia crítica de evidenciar as mentiras que se escondem
nas histórias oficiais, escritas sempre pelos vencedores. Ele não parte de um
pressuposto fechado ao abordar os temas em seus documentários, estando sempre
aberto para mudar de ideia durante as pesquisas, por vezes, resultando em um
produto totalmente antagônico ao que ele inicialmente havia projetado. Numa
comparação livre, Back pode ser considerado o oposto de um Michael Moore, que parece
construir seus filmes ao redor de uma verdade absoluta.
Em “Lost Zweig”, ele descobre que o protagonista era
bissexual, o que o leva a inserir contornos psicológicos diferentes no
personagem, enriquecendo o produto final. Em “Cruz e Sousa – O Poeta do
Desterro”, optando por realizar um musical sem músicas, narrado em estrofes,
recebeu o desprezo da comunidade negra na época da estreia, exatamente por ter
evitado o vitimismo na composição do personagem. Outro passo arriscado foi
explorar a participação da força expedicionária brasileira na Segunda Guerra
Mundial, em “Radio Auriverde”, focando no viés tragicômico da relação entre os
Estados Unidos e o Brasil na época do confronto. Tudo que é pouco comentado, ou
comentado apenas superficialmente com um verniz muito aparente, tem em seus
alicerces históricos um grande fundo de mentiras. O escrutínio não somente é
desmotivado, evitado, mas, também, causa a dor de um punhado de sal em uma
ferida aberta.
O que considero genial é a forma como ele questiona o
público, em “O Contestado – Restos Mortais”, retornando ao assunto de seu clássico “A Guerra dos Pelados”, alternando os depoimentos de historiadores e idosos habitantes do local, com o
registro de vários médiuns em transe recebendo os espíritos dos envolvidos na
Guerra do Contestado. Um recurso que muitos críticos viram como absurdo
nonsense, sem entender o jogo do cineasta, que, vale ressaltar, não é espírita.
Com essas imagens, Back repete o mesmo cenário de crendices sobrenaturais que
ajudaram a fomentar o evento original, ocorrido entre 1912 e 1916, com os
médiuns substituindo as virgens que recebiam o espírito do monge. Na visão
desse escriba, o cineasta aponta um dedo crítico em nossa sociedade,
evidenciando que, passados todos esses anos, continuamos acreditando no
inacreditável, e, mais que isso, que o fanatismo religioso ainda exerce poder
destruidor nas mentes fracas de um povo analfabeto cientificamente. Os
tentáculos dessa máquina operam até mesmo na política. Qual cineasta nacional ousaria
esse viés?
Para celebrar a obra desse corajoso catarinense, a
distribuidora Versátil, com curadoria impecável de Fernando Brito, está
lançando as caixas “Cinemateca Sylvio Back, Vol. 1 e 2”, com os filmes: (Vol.
1) “Aleluia, Gretchen”, “Radio Auriverde”, “A Guerra dos Pelados”, “Guerra do
Brasil”, “Cruz e Sousa – O Poeta do Desterro”, “Yndio do Brasil”, (Vol. 2) “O
Contestado – Restos Mortais”, “O Universo Graciliano”, “Lost Zweig”, “Lance
Maior”, “República Guarani” e “Revolução de 30”.
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