Cinderelo Trapalhão (1979)
Numa cidade do interior, Cinderelo (Renato Aragão) é um rapaz pacato desprezado pelos companheiros por andar sujo e ser covarde. Na verdade, é muito corajoso e revela sua força quando uma família de religiosos pede a ajuda do grupo contra um poderoso fazendeiro, o coronel Dourado.
Após uma demonstração de sua perícia na arte da luta, que podemos considerar uma variação hilária e tupiniquim do “Drunken Kung-Fu”, Mussum é questionado:
– Você é faixa-preta?
– Faixa? (Mussum revoltado) Sou preto inteiris, cumpadi!
Nesta comédia dirigida por Adriano Stuart, mostrando grande progresso após o fraco “Os Trapalhões na Guerra dos Planetas”, com o roteiro misturando alguns elementos do conto “A Gata Borralheira”, de Charles Perrault, e do filme “Os Sete Samurais”, de Akira Kurosawa, somos brindados por pequenas pérolas como a citada acima, uma brincadeira que hoje, com o maldito politicamente correto dominando todas as mídias, simplesmente não seria sequer cogitada.
Gosto muito de uma frase de G.K. Chesterton: “Por uma curiosa confusão, muitos críticos modernos passaram da proposição de que uma obra-prima pode ser impopular para a outra proposição de que, a menos que seja impopular, não é uma obra-prima”. Acho que esta constatação pode explicar a razão que faz com que este filme, um dos melhores protagonizados pela querida trupe brasileira, não tenha recebido uma mínima atenção dos colegas profissionais da crítica.
Não encontrei sequer um texto, nem mesmo duas linhas que fugissem da sinopse, um silêncio constrangedor. Será que não há nenhum mérito, nenhum traço de qualidade na obra? “Os Trapalhões”, uma febre gigantesca nas décadas de 70 e 80, comédias que, ao contrário das rasteiras produções no gênero atualmente produzidas pela Globo Filmes, efetivamente formaram cinéfilos qualitativos. O apelo financeiro era tão relevante, que as distribuidoras tascavam a palavra: Trapalhão (e suas vertentes), em qualquer filme cômico estrangeiro.
O personagem maltrapilho de Renato Aragão, mostrado já no início recolhendo o estrume de seu bode de estimação, não poderia ser apresentado de forma mais humilhante, condição que agrega mais impacto emocional ao desfecho do seu arco narrativo, marcado pelo extravasamento da sua revolta ao destruir no braço o carro do vilão, e, na sequência, com a descoberta de petróleo em seu pequeno terreno, dado como esmola por seus companheiros.
É um simples conto de moralidade, bastante eficiente, temperado com a riqueza da cultura circense, representada especialmente nos primeiros vinte minutos, quase sem diálogos, focados em peripécias do grupo inseridas coerentemente no contexto da trama. Sobra espaço até para Aragão emular/homenagear o Cantinflas de “Nem Sangue, Nem Areia”, desafiando corajosamente um touro.
O cenário, sinalizado pela narração como um lugar distante, reforçando o tom fabulesco que inteligentemente driblava qualquer tipo de censura, amalgama signos visuais dos faroestes norte-americanos ao universo caipira nacional, realizando uma crítica à opressão sofrida pelos empregados dos grandes fazendeiros.
E vale destacar também a presença da linda Silvia Salgado, vivendo a jovem sobrinha do vilão que é apresentada numa atitude clássica das Bond Girls, de arma em punho. Ela repetiria a parceria com o grupo em “Os Três Mosquiteiros Trapalhões”, lançado no ano seguinte.
Dentre todos os filmes do grupo que passavam na “Sessão da Tarde”, este era o meu favorito, seguido de perto por “Os Saltimbancos Trapalhões”. Como era bom ser criança naquela época.
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