Irmãs Diabólicas (Sisters – 1973)
Irmãs siamesas, criadas por freiras num orfanato, são finalmente separadas depois de vários anos vivendo literalmente unidas. Mas a separação causa um transtorno irreparável e as irmãs passam a rivalizar uma com a outra. É nesse cenário que surge um crime, e uma das gêmeas está diretamente ligada.
Ainda que não tenha sido o primeiro filme do diretor, foi com “Irmãs Diabólicas” que ele abraçou sem medo as suas influências, demonstrando maior segurança e operando milagres com baixo orçamento. Compreendendo profundamente o estilo de Hitchcock, especialmente o seu peculiar senso de humor negro, ele desenvolve a sua predileção pelo tema do duplo numa estrutura clássica e irresistível de suspense.
Ele opta por iniciar com uma exibição televisiva que espetaculariza o voyeurismo, uma espécie de câmera escondida onde uma jovem cega, vivida por Margot Kidder, tira a roupa sem saber que está sendo vigiada de perto, mostrando que o público, na hora de especular sobre qual será a reação do homem, está propenso a crer que ele irá se aproveitar da situação.
Ao revelar que o homem educadamente vai embora, a plateia expressa sonoramente sua frustração. Pouco tempo depois o roteiro sugere que o homem, apresentado outrora como vítima da pegadinha, era um contratado do programa. E, claro, a jovem não era cega.
Esta introdução, mais do que apresentar dois personagens importantes, serve como um retrato fiel da nossa sociedade, um espelho estilhaçado de mentiras que, infelizmente, segue sendo o mesmo.
Mais para frente, o tema é retrabalhado em uma eletrizante sequência em tela dividida, mostrando que nós somos exatamente como a plateia do programa, vivendo o dilema de torcer para que os criminosos escapem, pois será mais emocionante, e, ao mesmo tempo, querer que a justiça seja feita.
Utilizando generosamente o recurso da tela dividida como forma de progredir a história, ele transmite visualmente o psicológico fragmentado da protagonista, além de conscientemente aniquilar a imersão, reforçando o cinema enquanto ferramenta criativa de ideias visuais, aproveitando para fazer uso de vários cacoetes clássicos do mestre do suspense, como a esperteza de antecipar sempre para o público o perigo que o personagem está para encontrar.
A trilha imponente de Bernard Herrmann facilita ainda mais esta associação.
O crime, especialmente o local escolhido para esconder a prova, pode ser visto como o MacGuffin da trama. Mas o elemento verdadeiramente fascinante é representado pela personagem de Jennifer Salt, a vizinha jornalista que viu tudo acontecer pela janela.
A mulher comum inserida em uma situação extraordinária, que fica obcecada em elucidar o mistério, indo contra todas as sugestões de sua mãe superprotetora que gostaria que a jovem largasse a profissão e se tornasse dona de casa, uma eficiente crítica sobre a representatividade da mulher.
O detetive informal, vivido por Charles Durning, protagoniza o excelente desfecho, provavelmente a maior ousadia do filme, a tragicômica e incômoda constatação de que o crime nunca será solucionado e a ordem nunca será restaurada.
É neste ponto que De Palma se afasta de Hitchcock, cujas tramas quase sempre finalizam deixando o público em um estado cômodo, provando que, apesar de muitos defenderem que ele sempre foi um imitador competente, na realidade, ele se serviu da gramática do britânico para criar um produto muito mais rico em camadas de interpretação.
O problema é que o norte-americano nunca teve competência para desenvolver uma persona carismática.
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