Críticas

“Édipo Arrasado”, de Woody Allen (parte de “Contos de Nova York”)

Neste especial “Woody Allen”, começo sempre com um texto cômico, no estilo do homenageado, um dos meus ídolos nesta arte.

“O adulto de hoje, que enfrentou na infância desafios como o Enduro e o River Raid do Atari, está mais do que preparado pra todos os obstáculos da vida.” (Amenázzio)

Amenázio da Mata Roxa, o popular Amenázzio, com dois z’s, incentivado por sua numeróloga, desistiu de procurar emprego na selva de pedra, algo cada vez mais difícil devido à crise que a nação deseducadora está passando, investindo então todas as suas economias, conquistadas em seu bico como figurante na televisão, em sua nova profissão. Ele agora faz fortuna como Coach, o homem certo para encaminhar estranhos inseguros, aqueles que paguem bem, no rumo de uma vida mais focada, utilizando um agradável repertório de frases feitas e citações de livros de autoajuda, que nunca chegou a ler, tiradas fora de contexto. Como ele mesmo defendeu em uma aparição pública polêmica: “Que mal há nisso? Os pastores neopentecostais compraram uma emissora de televisão fazendo o mesmo.”

Ao entrar em seu escritório, com minha equipe de reportagem, fomos recebidos por ele de pé, sorriso amplo no rosto maquiado. Nas paredes, estantes tomadas por livros de Danielle Steel, dividindo espaço com biografias de subcelebridades, como a da jovem Janete Menezes, que fez várias operações plásticas pra se transformar em uma boneca viva, mas acabou sendo internada num hospício após ser encontrada pelo gerente de uma loja de departamentos, quase desfalecida, ao tentar passar o final de semana dentro de uma caixa. Amenázzio se recostou em sua poltrona e, sem maiores exigências, afirmou que seria uma honra para nós aquele breve contato com alguém tão especial. Após beijarmos sua mão, de joelhos no chão acarpetado, começamos a entrevista.

– Como é para você, quase um analfabeto funcional, ser dono hoje de uma das maiores fortunas da nação?

– A ignorância é uma bênção no Brasil, caro jornalista. Somente aqui o filme de maior bilheteria estreia sem público, a presidente não tem habilidade em oratória, o ex-presidente se orgulha de não ter o hábito da leitura, a dona de casa morre afogada em sua garagem na chuva, os youtubers de conteúdo mais cretino fazem fortuna, a melhor cantora do ano não sabe cantar, o apresentador de televisão abre caixão de um artista no horário nobre, a escritora mais lida tem o livro escrito por um ghostwriter…

– Ok, nós já entendemos o seu ponto. Você tem razão. Mas você não tem vergonha de utilizar esta ignorância como forma de alimentar este império?

– Eu tenho vergonha de não ter enfiado ainda a mão na sua cara, caro jornalista. Você me garantiu que a entrevista seria apenas para divulgar meu novo curso: “Aprenda como ser alguém importante.”

– É que o curso não existe. Nós checamos e você nunca ministrou curso algum. Não podemos mentir para o nosso público.

– Quem é você para dizer que eu nunca ministrei um curso? Você… Ponha-se no seu lugar… Você… Você não é importante o suficiente para discutir comigo.

– Você é uma farsa, Amenázzio. Estes livros todos da estante, a maioria tem fundo falso, você roubou de uma loja de decoração. Temos o depoimento do gerente e o vídeo da câmera de segurança.

– Como ousa? Quer ganhar fama com meu nome? Fazendo seu próprio “Caso Waternázzio”? Saia já do meu escritório!

– Você alugou este escritório na tarde de ontem, após nós confirmarmos a entrevista, temos os papéis com a sua assinatura. Você mora, na realidade, no subúrbio, em Vila
Valqueire, com sua mãe e seus dois irmãos. Temos fotos.

Neste momento, lívido e transpirando muito, o homem que já foi chamado de “o novo Cidadão Kane”, levantou a mão direita na direção da janela, com o dedo indicador apontado em riste. Todos nós olhamos para a janela, enquanto ele corria para fora do escritório, entrando no elevador. Nós caímos no truque mais baixo daquele vil escroque.

Nunca mais veremos Amenázzio. E ele ainda conseguiu roubar a minha carteira…

Notícia que tomou a imprensa de assalto na manhã seguinte:

Um homem, muito parecido com o popular Amenázzio, foi visto na noite de ontem, trajando um vestido verde de matrona e com uma longa cabeleira morena, tentando adentrar no retiro dos artistas. A polícia foi chamada, assim que ele, emocionalmente descontrolado, perturbou os vizinhos ao começar a cantar num tom insuportável o clássico dos anos oitenta: “Qualquer Jeito (Não Está Sendo Fácil)”, sucesso da cantora Kátia.

Édipo Arrasado (Oedipus Wreck – 1989)

Sheldon, um advogado neurótico, não consegue se livrar da influência de sua mãe superprotetora. O problema se intensifica quando, após participar de uma exibição de mágica, a senhora inexplicavelmente se torna uma entidade nos céus da cidade, contando para todos os transeuntes os hábitos e manias do filho.

Impulsionado pela leveza do formato de antologia, Woody exercita com grande frescor o seu talento cômico. E, sem dúvida, o seu média-metragem é o responsável por “Contos de Nova York” ainda ser lembrado hoje em dia. Os esforços de Coppola e Scorsese são, na melhor das hipóteses, inofensivos.

Após uma total imersão nos dramas existencialistas de “Setembro” e “A Outra”, o diretor revisita seu lado mais divertido, misturando temas já trabalhados em textos e inserindo vislumbres de situações que ele viria a aperfeiçoar em suas produções dos anos 2000, como em “Scoop”, em que um truque de mágica é utilizado como gatilho narrativo.

É impagável a cena em que Allen, inicialmente perturbado com a mãe (Mae Questel, incrivelmente parecida com a mãe do diretor) sendo chamada para auxiliar no truque do mágico, não consegue esconder a alegria ao ver o profissional enfiando várias espadas na caixa onde ela foi colocada. A insatisfação dela com a noiva do filho, vivida por Mia Farrow, é o motivo sobrenatural que faz com que ela se mantenha como uma entidade nos céus de Nova York.

Somente quando ele reencontra um amor antigo, a cartomante/clarividente vivida pela brilhante comediante Julie Kavner, a pobre mãe, demonstrando sua aprovação, retorna ao seu estado normal. Sheldon não se interessa em compreender como o fenômeno ocorreu, ele está mais interessado em resolver sua relação com ela.

O inexplicável, tema recorrente em seus filmes, novamente utilizado como um meio inquestionavelmente absurdo e tolo, porém, aceitável para alcançar um bem maior.

* O filme “Contos de Nova York” está sendo lançado em DVD pela distribuidora “Classicline”.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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