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Entrevista com Renzo Mora, autor do livro: “Casablanca – A Criação de Uma Obra-Prima Involuntária do Cinema”

Em mais uma entrevista exclusiva para o “Devo Tudo ao Cinema”, converso com o colega escritor Renzo Mora, que lançou o livro: “Casablanca – A Criação de Uma Obra-Prima Involuntária do Cinema”, pela Editora Estronho.

Renzo com o “Falcão Maltês” original.

O – Uma vez eu escrevi que, dentre todos os filmes da época de
ouro de Hollywood, “Casablanca” era o mais próximo de uma blowing
session de Jazz, onde o improviso foi o elemento que engrandeceu o resultado
final em todos os aspectos. Como esse é o mote do seu livro, explique melhor os
bastidores dessa produção, desde sua concepção teatral.

R – Houve improviso na
redação do script, já que a peça que serviu de base (por sinal, inédita nos
palcos até então) mostrava uma infidelidade conjugal, o que não era aceito pelo
MPPDA (Motion Picture Producers and Distributors of America). A protagonista da
peça era uma mulher imoral, o que era inapropriado para a típica heroína dos
anos 1940. Desta forma, o roteiro foi passando por muitas mãos, a ponto de
ninguém saber exatamente quem escreveu o que, principalmente para suavizar o
comportamento da personagem de Bergman. Mas, no estúdio, imperava a ditadura
implacável de Michael Curtiz, o que não deixava muito espaço para a
improvisação, embora Bogart tenha enfiado cacos memoráveis em suas falas.

O – Outro fator que me fascina nessa equação arriscada da
Warner é o impressionante e inesperado sucesso, de público e crítica, que o
filme conquistou na época. Hoje em dia os filmes já são pensados com toda
pretensão possível, a sequência já é divulgada antes mesmo do primeiro estrear,
a máquina se tornou, de fato, industrial. Mas ninguém, nem mesmo os
profissionais envolvidos, acreditavam que “Casablanca” chamaria tanta
atenção. Disserte sobre isso. E, na sua opinião, quais foram os elementos (dentro
da obra) que garantiram esse sucesso.

R – Esse é o grande mistério de Casablanca.
Ele era um filme apenas mediano na linha de produção da Warner. Talvez se
houvesse naquela época os infinitos testes com público, o final infeliz não
tivesse resistido. Não sei explicar a mágica de Casablanca – mas a graça da
mágica está justamente em ser inexplicável. Ninguém ficou mais surpreso com a
repercussão do filme do que seus protagonistas, Bogart e Bergman, que achavam o
roteiro uma bobagem cheia de furos.

O – Como você analisa a importância de Humphrey Bogart e
Ingrid Bergman no que tange esse sucesso? Fique à vontade para abordar como
eles foram escalados para o filme.

R – Esqueça aquela história de Ronald Reagan
sendo pensado para o papel de Rick. As alternativas desde o começo eram Bogart
(ou, talvez, George Raft), mas a aposta mais certeira era Bogart. Já a mocinha
mais cotada era Ann Sheridan. Os irmãos Epstein, parte do time de roteiristas,
achavam que qualquer americana peituda serviria. No final, o papel caiu nas
mãos de uma relutante Ingrid Bergman, cuja maior ambição na época era se livrar
logo do filme para tentar estrelar “Por Quem os Sinos Dobram? ”, adaptação do
livro de Hemingway.

O – O roteiro foi lido pelo profissional da Warner no dia do
ataque em Pearl Harbor, o contexto histórico mostra que os norte-americanos
ainda estavam relutantes com relação à guerra. Do dia para a noite, o interesse
pelo cinema enquanto ferramenta de propaganda cresceu exponencialmente. E a
Warner foi pioneira nisso, com “confissões de um espião nazista”, de
1939. Como você analisa a influência desses elementos externos na realização do
filme, esse timing perfeito?

R – A opinião pública americana estava muito relutante
em ver a América entrar no conflito. De fato, Hitler tinha até fãs nos EUA,
como o aviador Charles Lindbergh. Ele era visto como o corajoso que se
levantava contra o Império Britânico e sua “arrogância”. Neste contexto, todos
os instrumentos de propaganda eram necessários para convencer o americano médio
– e o filme se insere nestes esforços, sem que isso o desmereça. Guardadas as
proporções, a Capela Sistina é um instrumento de propaganda do catolicismo.

O – Em sua opinião, qual a relevância do diretor Michael
Curtiz no produto final? Ele foi essencial para evitar que o caos dos
bastidores transparecesse nas filmagens?

R – Sem dúvida. Talvez até demais. Curtiz
era um tirano, o que revoltava os astros principais, mas sua mão de ferro
segurou a produção durante as incertezas que rondava o final do filme (Ingrid
seria assassinada? Iria com o marido? Ou ele é quem morreria?)

O – Disserte sobre a inserção da canção “As Time Goes
By” e sobre a importância dela no apelo popular da obra.

R – Era uma canção
esquecida, composta em 1931 para um musical medíocre – e era odiada pelo autor
da trilha original do filme Max Steiner. Mas, assim como o filme propriamente
dito, ela tem alguma qualidade mágica que a eternizou e se incorporou à mística
da obra.

O – A emocionante cena emoldurada pela Marseillaise foi
inspirada por uma similar no filme “A Grande Ilusão”, de Jean Renoir.
É, para mim, o segundo momento mais impactante do filme, após o clássico
desfecho. Como você enxerga a relevância emocional dessa cena, a sua execução,
levando em conta o contexto real da guerra?

R – Quando Bogart concorda com sua
execução, ele não sabe com o que está concordando. Com sua falta de modos
peculiar, Curtiz pediu a ele que acenasse positivamente com a cabeça e não
explicou para que servia a cena. É curioso que a Marselhesa tenha uma relação
de amor e ódio com os franceses. Por um tempo, ela foi vista como um símbolo do
pior da direita xenófoba francesa. Depois dos recentes atentados terroristas,
ela voltou a ser vista como um símbolo do país. Talvez ela expressasse o
patriotismo francês visto a partir dos EUA. Mas quando ela “contamina” todo o
bar de Rick, sufocando os nazistas, não há quem não se renda. E talvez o filme
tenha ajudado a recolocar o hino em seu devido lugar no orgulho de ser francês,
na época profundamente abalado pela tomada do país.

O – Aborde o papel fundamental da censura na subtrama
romântica da personagem de Bergman, algo que, curiosamente, foi análogo ao que
aconteceu com a própria atriz, ao se apaixonar pelo italiano Roberto
Rossellini.

R – A vida imita a arte. Na peça, a personagem feminina trai o marido sem
o menor escrúpulo – o que não era permitido no cinema. Daí a viuvez presumida,
o que justifica o romance extraconjugal. A maior prova de que a sociedade
americana não estava pronta para este tipo de comportamento foi o exílio
afetivo que Bergman sofreu quando trocou o marido pelo cineasta italiano. Só
quando ela também foi traída pelo incorrigível Rossellini a América a aceitou
de volta, desta vez como vítima.

O – Woody Allen é meu grande ídolo no cinema. Você gosta da
utilização do Rick de “Casablanca” em “Sonhos de Um
Sedutor” (peça e filme), como o amigo imaginário do tímido cinéfilo vivido
por Allen? E, aproveitando o ensejo, como você enxerga a importância desse
personagem na cultura pop mundial?

R – Rick Blaine é o primeiro rebelde do cinema
americano, matriz de centenas de personagens que vieram depois dele. Woody
Allen queria ser Bogart. Todos nós queremos ser Bogart. O Bogart das telas e o
da vida real – cínico, indomável, durão. Infelizmente, quebraram o molde e
resta-nos sonhar que ele nos aconselhe, como faz com o personagem de Allen.

O – Renzo, por gentileza, deixe uma mensagem final para os meus leitores. E fique à vontade para divulgar o livro.

R – Revejam Casablanca. Rick Blaine permanece como o herói que
gostaríamos de ser. Os segredos de sua produção e a vida dos envolvidos é quase
um filme à parte, tão fascinante quanto a própria obra.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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Octavio Caruso

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