Críticas

Tesouros da Sétima Arte – “Primer”, de Shane Carruth

Primer (2004)

Se você achou “Donnie Darko” um filme desafiador, ou utiliza “A Origem” como sinônimo de filme complicado, você não faz ideia do nível de complexidade deste pequeno projeto independente de baixíssimo orçamento, praticamente desconhecido pelo grande público, que eu considero um dos melhores no que tange o tema da viagem no tempo.

O jovem idealizador, que somou as funções de roteirista, diretor, editor, compositor da trilha e ator, Shane Carruth, formado em matemática e que, na época, não tinha experiência alguma no cinema, juntou um grupo de amigos e filmou “Primer”. Boa parte do filme nem está bem focada, o som é uma porcaria, os atores são limitados, mas a história e a execução são tão geniais que renderam ao longa o prêmio do júri no cultuado Festival Sundance, entre outros prêmios em festivais de ficção científica.

O segredo reside no desinteresse do autor em construir algo convencional, agradável, para o público, o que resultou em uma trama que nunca seria comprada por qualquer estúdio, nenhum teria coragem de arriscar perder dinheiro com algo tão desafiador. Eu não vou nem tentar explicar detalhadamente o que ocorre com a dupla de protagonistas, você pode encontrar textos e vídeos pela internet dissecando todas as possibilidades de interpretação e o passo a passo da jornada temporal.

O que vale salientar é o toque de originalidade, os dois jovens descobrem por acaso que a pequena caixa em que trabalham na garagem, em um experimento para redução eletromagnética do peso de objetos, possibilita a viagem no tempo, mas somente ao passado. Eles então constroem caixas maiores, conduzindo-os ao passado, para o momento exato quando foram acionadas inicialmente.

Ao acionarem a caixa, eles precisam ficar isolados longe do local, um hotel próximo, para que não corram o risco de encontrarem seus duplos. E, neste meio tempo de algumas horas, entre o acionamento e o prazo final, em que os originais entram novamente na caixa, os duplos ficam livres para lucrarem em ações na bolsa de valores. No começo, o processo funciona, há uma disciplina respeitada pelos dois, porém, como era de se esperar, a brincadeira perigosa destrói a confiança de um com o outro, a amizade e a saúde de ambos são prejudicadas, o poder absoluto faz com que até três versões da mesma pessoa coabitem o mesmo tempo, com resultados desastrosos.

Nada disto é mostrado de forma simples para o público, que, sem exagero, precisa agir como um detetive, analisando em várias revisões minuciosas os detalhes de cada cena. Somente na revisão você percebe a existência de um esquisito ponto auricular em um dos personagens, que some no momento seguinte, ou que o barulho estranho na casa que uma personagem cita, na verdade, nada mais é que a primeira versão do marido dela, preso no sótão para que não encontre seu duplo.

Não é um filme para ser apreciado despretensiosamente, com sono, ou ignorando uma mínima sinopse. É um projeto único, a prova de que bom cinema pode ser feito sem verba, sem iluminação de qualidade e sem foco na câmera. Uma ideia genial, um punhado de amigos, uma aula de roteiro que, de tão impressionante, fez com que o diretor Rian Johnson pedisse consultoria para o amigo Carruth em seu excelente “Looper”, que também aborda o tema da viagem no tempo.

Alguns fãs dos filmes até já teorizaram o conceito de que eles habitam o mesmo universo, sendo “Primer” uma espécie de prequel de “Looper”, com a telecinese sendo um efeito colateral da exposição prolongada à máquina. Eu entrei na brincadeira ao rever os dois filmes e faz bastante sentido.

  • Você encontra o filme garimpando na internet.
Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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