Críticas

Tesouros da Sétima Arte – “Frances”, de Graeme Clifford

Frances (1982)

Uma atriz da era de ouro de Hollywood, elogiada por Cecil B. de Mille e Howard Hawks, que foi tema de uma canção do grupo Nirvana, uma mulher corajosa e de opiniões fortes que peitava seus superiores e não conseguia fazer o tipo recatado e permissivo das suas colegas. Uma história controversa que ainda não foi solucionada: Frances Farmer, em uma de suas passagens pelo hospital psiquiátrico, foi vítima de uma lobotomia transorbital?

O livro “Shadowland” que foi adaptado no roteiro evidencia esta cruel experiência, mas outros estudos feitos desde então negam este acontecimento na vida dela. A cena que ocorre no clímax do filme é destruidora, potencializada pela frieza do médico e o estado de consciência da paciente. Alguns anos antes o cinema havia abordado o tema no maravilhoso “Um Estranho no Ninho”, mas com menor impacto.

Analisando os registros em vídeo da atriz pós-internação, como em um episódio de “This is Your Life” que pode ser encontrado no Youtube, e que foi reencenado no desfecho do filme, é difícil negar, fica perceptível que aquela figura plácida e distante não se assemelha em nada à personalidade forte que venceu na indústria anos antes, ela havia sido artificialmente domada. E a fotografia do grande László Kovács ajuda a salientar esta transformação retirando nessa sequência final a luz dos olhos da personagem.

A direção de Graeme Clifford é impecável, não dá para entender porque ele se focou depois do filme em produções televisivas. A trilha sonora de John Barry, com um bonito tema em gaita, reforça a elegância do projeto. Jessica Lange entrega a melhor atuação de sua carreira, e vou mais longe, considero um dos melhores momentos de uma atriz na história do cinema. É impressionante como ela compõe o arco narrativo, de sua rebeldia infanto-juvenil da época de escola, passando pelo auge da segurança profissional como atriz, até a destruição progressiva de seus alicerces psicológicos.

Vale destacar a participação da veterana Kim Stanley, de “A Farsa Diabólica”, como a perturbada mãe de Frances, uma mulher que parecia estar mais interessada no luxo advindo da profissão da filha. O embate entre as duas na porta de casa, uma das muitas cenas inesquecíveis, expõe as vísceras de um relacionamento podre, em que o interesse da mãe nunca estava na felicidade da filha, mas, sim, em qualquer recurso que a fizesse retornar o mais rápido possível para o radar dos estúdios de cinema.

“Frances”, quase sempre esquecido, merece constar nas listas de melhores filmes de sua década. Uma cinebiografia rara, que não simplifica os altos e baixos de sua homenageada, ressaltando sempre que, por piores que fossem as atitudes de outrem, a grande inimiga de Frances era a própria Frances. Um retrato fascinante de uma artista que lutou até o último segundo por suas convicções.

  • O filme não está em plataformas de streaming, mas pode ser encontrado em DVD e, claro, garimpando na internet.
Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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