Em um dos textos de seu livro: “O Sentido do Filme”, Eisenstein define magistralmente a importância da montagem na linguagem cinematográfica. Mas antes de abordar isto, acho válido salientar que muitos apreciadores não conseguem sequer diferenciar as palavras “edição” e “montagem”.
E como este entendimento é fundamental para entender a posição de Eisenstein na história dessa arte, resgato aqui a explicação que escrevi em um texto antigo, intitulado: “A Engenharia da Emoção”. O diretor filma um longo diálogo entre dois atores num único ambiente, mas percebe que a mensagem já havia sido transmitida com eficiência no primeiro minuto. Ele então pede para cortar os minutos restantes, deixando apenas o desfecho, onde ambos se despedem. Na sala de edição, uma cena que duraria cinco minutos, acaba entrando no filme com apenas dois minutos. Já a montagem é uma técnica da edição, em que planos separados são reunidos em um sistema dinâmico, favorecendo a narrativa.
Voltando à definição do mestre russo, ele evidencia que é natural da mente humana a automática sobreposição de imagens no dia a dia, buscamos figuras reconhecíveis em nuvens, rostos em formações rochosas. Caso te entreguem duas fotos distintas, um túmulo no cemitério e uma mulher vestida de negro chorando, você vai automaticamente pensar que é uma viúva a chorar a morte do marido. Isto não ocorre apenas com imagens, mas também com palavras.
A montagem é a condução deliberada das associações do espectador. Eisenstein não estava interessado em adotar o sistema comum, na busca por um resultado coeso que respeitasse a continuidade lógica, ele explorou as possibilidades criativas da união de duas sequências na criação de um terceiro elemento novo e impactante.
Numa analogia simples, ele pegaria as duas fotos já citadas e, por sobreposição, faria o espectador crer que a mulher de negro chora de dentro do túmulo, abrindo variações filosóficas mais interessantes do que se pensaria ser possível a princípio.
A Greve (Stachka – 1925)
“A Greve”, que considero superior ao mais famoso “O Encouraçado Potemkin”, apresenta um cineasta jovem iniciando com sangue nos olhos, disposto a experimentar suas ideias ao máximo, num projeto que foi encomendado como produto panfletário comunista, defendendo a cultura do proletariado na visão simplista do socialismo, sem tons de cinza, onde os patrões, gordos e esbanjadores, são sempre monstros insensíveis e cruéis que precisam ser abatidos.
Assim como em “O Nascimento de Uma Nação”, pouco importa a ideologia defendida, mas sim, a eficácia da técnica e a fluência do produto final. Acho triste que estas obras acabem sendo reduzidas ao material didático de faculdades de cinema, já que são grandes filmes que precisam ser sentidos e abraçados emocionalmente pelo público em geral, não apenas estudados minuciosamente em sala de aula.
É de beleza sem igual uma cena que mostra três operários cruzando os braços, sobreposta à imagem de uma roda que para de girar. O pássaro que descansa no topo de uma chaminé de fábrica desativada, a natureza tomando de volta o que a ganância do homem havia dominado.
Os cavaleiros da burguesia adentrando a vila dos operários, uma catarse de selvageria, enquanto duas crianças, a nova geração proletária, brincam com seus cavalinhos de pelúcia. Não dá para imaginar o cinema de hoje sem a contribuição de Eisenstein. A intenção do choque, simbolizada na sequência final que relaciona o abate de um boi no matadouro à opressão contra os operários em greve, ainda mantém seu impacto revoltante hoje, mas posso imaginar a sensação que causou no público da época.
Avaliado enquanto peça de propaganda, o filme é imbatível, o intertítulo conclama o cidadão a lutar pelos seus direitos, o espectador saía da sessão trincando os dentes, desejando apenas o revide. É a expressão máxima do que o diretor chamava de “cine-punho”, contrariando o passivo “cine-olho” de Dziga Vertov.
O Encouraçado Potemkin (Bronenosets Potyomkin – 1925)
Sempre lembrado pela sequência genial do massacre na escadaria de Odessa, imagens que inspiraram trabalhos do pintor Francis Bacon, a hierarquia em que o povo se coloca em superioridade numérica saudando a revolução dos marujos rebeldes, atitude corajosa que conduz à criança que morre pisoteada pela multidão e o carrinho de bebê que despenca sem rumo, símbolos máximos na ideologia defendida pela obra do desamparo da nova geração caso o proletariado perca a batalha contra os monstros burgueses.
Neste filme encontramos um Eisenstein mais discreto em suas experimentações, com exceção de uma montagem satírica próxima ao final, mostrando a estátua do leão que guarda a casa de ópera assustado com os tiros de canhões do encouraçado em revide aos assassinatos.
O nível de tensão em vários momentos se mantém eficiente hoje, a comprovação da competência do diretor. Um prato de sopa causa o motim, mas também possibilita a motivação necessária para que o povo tome conhecimento do problema e abrace a causa, o que ocorre na bela sequência que mostra os marujos recebendo com alegria o carinho dos populares, que em barcos vão ao encontro deles.
A produção foi encomendada como forma de celebrar o aniversário de vinte anos da revolta do Potemkin, evocando na cena final a camaradagem entre marinheiros de toda a frota que permitiu que o navio de guerra seguisse seu curso sem precisar utilizar seus canhões.
Assim como em “A Greve”, ele funciona impecavelmente naquilo que se propõe, incitar no espectador o desejo raivoso do revide. E, exatamente por isso, estas obras foram consideradas perigosas a ponto de serem banidas em seu tempo.
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Ótima postagem!