A Pantera Cor-de-Rosa (The Pink Panther – 1963)
O hilariante Inspetor Clouseau, da polícia de Paris, precisa encontrar um ladrão de joias que está mais perto do que ele imagina.
A minha memória afetiva me diz que tive contato com este filme na infância, numa exibição vespertina na televisão, mas eu realmente me apaixonei pela franquia na adolescência, acompanhando um especial sobre Peter Sellers no canal Telecine, que exibiu diariamente no horário nobre estes clássicos e algumas pérolas pouco conhecidas, como “O Mundo de Henry Orient”.
Como de costume, gravei tudo em VHS e ficava revendo as fitas com frequência. Sendo bem sincero, acho que durante um bom tempo eu tive um encontro marcado com o filme todas as tardes, após a escola.
Como resistir? Tinha a classuda modelo Capucine, a belíssima Fran Jeffries cantando e dançando “Meglio Stasera”, tinha também a Claudia Cardinale, uma das minhas musas na época, além daquela aura especial de charme e elegância que sempre considerei terapêutica, o tipo de obra que se vê com um sorriso permanente no rosto.
E antes de me apaixonar pelos filmes, eu já era apaixonado pela trilha sonora de Henry Mancini, que minha mãe escutava em casa, normalmente lembrada apenas pelo tema principal, o que é uma injustiça, o disco todo é impecável. Faixas como “Royal Blue”, “Something for Sellers”, “The Lonely Princess”, “Cortina” e “Piano and Strings” estão entre as melhores composições da carreira do maestro.
O diretor/roteirista Blake Edwards foi apaixonado em sua infância pelas comédias silenciosas, especialmente por Stan Laurel e Oliver Hardy, uma influência que é perceptível em diversos momentos, como nas gags que ocorrem durante a festa à fantasia, no terceiro ato. Mas uma das cenas mais celebradas pelo público, aquela em que um homem tenta com muita dificuldade atravessar uma rua, foi uma homenagem do diretor a um momento similar no clássico de Hitchcock: “Correspondente Estrangeiro”.
Analisando como as continuações aprimoraram a caracterização do inspetor vivido por Sellers, acho fascinante poder visualizar o processo de criação deste gênio. Neste primeiro, ele fala com sotaque francês, mas não brinca com as palavras.
Clouseau foi pensado inicialmente como uma simples curiosidade, um coadjuvante simpático que parodiava o detetive Hercule Poirot, de Agatha Christie.
O protagonista era David Niven, como o audacioso ladrão de joias. O caso é que Sellers foi tão brilhante no set de filmagem, que o roteiro ia sendo expandido, abraçando grande parte dos improvisos que ele sugeria, como a cena em que ele derrama leite no corredor.
Desde a sua apresentação, escorregando ao girar o globo em seu escritório, ele conquista o carinho do espectador com seu misto de ternura e patetice. O que cativa não é o aspecto pastelão de seus atos, mas a obstinação dele em recusar acusar o erro.
Ele se recupera rapidamente das piores gafes, como se nada tivesse acontecido. Com esta criação bastante original, Sellers, que não era a primeira escolha para o personagem, papel que seria de Peter Ustinov, eclipsou todo o elenco e, indo contra as expectativas do próprio diretor, que à época via o projeto como obra única, garantiu o protagonismo em quatro continuações.
A câmera de Blake, assim como nos trabalhos de Ernst Lubitsch, permite que os atores se movam mais nas cenas do que a câmera, como exemplo: a sequência em que a esposa do inspetor se divide entre três homens em seu quarto, uma coreografia que pode ser tida como lenta pelo público moderno, acostumado com uma edição frenética que disfarça a fraqueza do material trabalhado.
O humor prima pela qualidade, mais do que pela quantidade. A situação vai sendo levada num crescendo de pequenos e hilários desastres, culminando em resoluções nada óbvias. No desfecho, manipulado a ser incriminado injustamente como o notório ladrão, Clouseau aceita com alegria esta nova vida cheia de aventura, muito mais interessante que a sua rotina como oficial da lei.
Ainda que este elemento não tenha sido utilizado no filme seguinte, acho uma reviravolta tão boa quanto aquela que ocorre no famoso encerramento de “Quanto Mais Quente Melhor”, de Billy Wilder.
Trilha sonora composta por Henry Mancini:
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