É comum nas redes sociais a corrente de desafios, sobre os
mais variados temas. Sempre fui péssimo nisso, não sou afeito a trivialidades,
especialmente quando estão relacionadas às grandes paixões da minha vida:
cinema e literatura. Se eu for listar dez livros que marcaram minha vida,
preciso escrever as razões das escolhas, não consigo ser direto e breve nesse
tipo de questionamento, não consigo abordar esses temas como se fossem
superficialidades, em suma, eu levo com muita seriedade a brincadeira. A última
vez que tentei, com um desafio que considerei mais criativo que o usual, eu
demorei quase uma hora pra fechar o texto. Como ninguém na imediatista rede
social vai se interessar em ler uma postagem gigantesca de vários parágrafos,
eu prefiro ignorar sempre que me convidam para algo desse tipo. Hoje fui
marcado em um desafio para citar minhas quinze maiores influências literárias,
listar quinze autores. Que maldade! É como perguntar para um hipocondríaco se
ele está se sentindo saudável, todo o corpo começa a ferver, as mãos tremem
acima do teclado, a memória afetiva começa a berrar. Então, consciente de que
ficarei uma longa madrugada preparando esse texto que você lê nesse momento,
tentarei responder ao desafio com a dedicação que o questionamento merece.
Começo já frustrando você, “pela ordem”, solicitando uma revisão sobre a regra
principal do desafio, a impossibilidade de reduzir a apenas quinze nomes
praticamente três décadas de profundo amor pela leitura. E as revistas em
quadrinhos, nona arte, podem ser incluídas nessa lista? Outro problema: existem
livros excelentes e que foram importantes em minha vida, de autores
inconstantes, que não entrariam em uma lista de trinta escritores favoritos.
Quando o livro é uma influência, até por ajuda de elementos emocionais
externos, mas o autor, em seu conjunto de obra, não é um favorito meu, como
faço? E, vamos aprofundar a celeuma, essa subjetiva influência literária deve
ser em qual sentido? Autores que me influenciaram de forma prática em meu
trabalho como escritor, ou autores que me influenciaram de uma maneira mais
existencialista, como indivíduo pensante na sociedade? Se eu for incluir os
dois tipos, asseguro que será impossível manter a regra de ínfimos quinze
nomes. Tomando a liberdade de analisar mais um ponto importante, qual o
objetivo da lista? É servir como indicação para possíveis interessados? Se for
o caso, vejo mais um problema, alguns autores que me influenciaram
tremendamente, nomes até obscuros, eu não consideraria indicar para quem está
buscando de forma passional a literatura, eu estaria fazendo um desserviço. Por
exemplo, o cineasta húngaro Béla Tarr, fantástico, mas eu não indicaria as
quase oito horas de “Satantango” para um cinéfilo iniciante, pra não correr o
risco dele ficar traumatizado para o resto da vida, fugindo da sala escura como
o diabo foge da cruz. Eu indicaria Frank Capra, Preston Sturges ou Billy
Wilder. A lista não é uma indicação? Então qual a função dela? Será que é uma
forma da pessoa, que passa o dia inteiro dando atenção para tolices nas redes
sociais, fingir pros outros que é alguém que valoriza cultura? Apesar de saber
que no Brasil prevalece o interesse em “parecer ser”, em detrimento do precioso
“ser”, eu prefiro acreditar que a intenção é indicar bons livros e compartilhar
a paixão em comum.
Quinze autores, vamos lá, vou tentar pensar o menos
possível, agir como em um teste de Rorschach, popularmente conhecido como o
teste psicológico com borrão de tinta. Regredindo até minha infância, Alan
Moore, nunca vou esquecer o impacto de histórias como “Para o Homem Que Tinha
Tudo”, ou me esquecer de quando li pela primeira vez uma trama sobre viagem no
tempo, um dos meus primeiros livros de adulto, “Operação Cavalo de Tróia”, do
jornalista espanhol J.J. Benítez. A magia da obra infantil de Monteiro Lobato,
que até hoje me leva às lágrimas quando releio. O encantador clima nostálgico
de “Os Meninos da Rua Paulo”, de Ferenc Molnár. As aventuras escritas por
Marcos Rey, que eu lia na coleção “Vaga-Lume”. Talvez o livro mais importante
na minha vida, “O Conde de Monte Cristo”, de Alexandre Dumas (pai), obra que me
motivou a seguir sonhando quando o bullying escolar estava em seu auge. Ah,
como eu tentava sempre ser mais esperto que Hercule Poirot e Sherlock Holmes,
buscando decifrar os mistérios antes do desfecho, não posso me esquecer de
inserir Agatha Christie e Arthur Conan Doyle. Em meu período exploratório
sobrenatural na pré-adolescência, devorei tudo que encontrava de Neil Gaiman,
Edgar Allan Poe, H.P. Lovecraft e Stephen King. Já temendo o aproximar do
ingrato limite numérico, forço a mente a atravessar um buraco de minhoca no
espaço-tempo, chegando à minha adolescência. Quantas vezes eu reli “O
Exorcista”, de William Peter Blatty, ou “A Volta do Parafuso”, de Henry James?
Como apaixonado por cinema, não posso me esquecer de incluir também Woody
Allen, cujos livros “Sem Plumas”, “Que Loucura!” e “Cuca Fundida”, durante
muitos anos, foram minha santíssima trindade na literatura de humor. Não posso
esquecer o impacto desses autores naquele momento da minha vida: Friedrich
Nietzsche, Carl Sagan (“O Mundo Assombrado pelos Demônios – A Ciência Vista
Como Uma Vela no Escuro” foi um divisor de águas em minha adolescência), Marcel
Proust, Franz Kafka, Albert Camus e Fiódor Dostoiévski. Sei que já ultrapassei
o limite de quinze nomes, eu deveria parar, mas como não incluir George Orwell
e Aldous Huxley? E a emoção que senti ao terminar de ler “Fahrenheit 451”, de
Ray Bradbury? É imprescindível que eu inclua Isaac Asimov, a “Trilogia da Fundação”
foi meu livro sagrado durante muitos anos. A literatura de ficção científica
foi minha formação, assim como a literatura de terror, então como deixar de
fora “Duna”, de Frank Herbert, Anthony Burgess, Arthur C. Clarke e,
principalmente, “O Homem do Castelo Alto”, de Philip K. Dick? Na época em que
comecei a fazer teatro, devorei tudo o que ainda não havia lido de William
Shakespeare, Ariano Suassuna e Tennessee Williams. Não, sendo honesto, eu não
conseguiria ficar em paz com minha consciência se deixasse de citar a
importância em minha vida de “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez,
ou as madrugadas instigantes acompanhado de “Ensaio Sobre a Cegueira”, de José
Saramago. “O Velho e o Mar”, de Ernest Hemingway, foi um dos raros livros que li
inteiro duas vezes no mesmo dia. E a brutal intensidade a cada página de
“Ulisses”, de James Joyce? Eu já citei J.R.R. Tolkien? Nunca esquecerei a
profunda emoção que senti lendo a trilogia “O Senhor dos Anéis”, anos antes
dela ser descoberta pelo grande público com as adaptações cinematográficas.
Você já leu “Lavoura Arcaica”, de Raduan Nassar? Considero um dos melhores
livros nacionais de todos os tempos. E, já que citei esse, preciso incluir
Machado de Assis, que felizmente conheci fora das carteiras escolares, ficando
encantado com o humor de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Espera um segundo,
eu citei Nikos Kazantzákis, F. Scott Fitzgerald e Ayn Rand? Atualmente estou
conhecendo melhor a obra fascinante de Bernard Cornwell, que já me cativou anos
atrás com a trilogia “As Crônicas de Artur”. Sendo praticamente obrigado pelo
inexorável tempo a fechar esse texto, percebo que cheguei a quarenta e três
nomes. E já estou me sentindo culpado pelos outros tantos que estavam se
esgoelando em minha mente por atenção, como Miguel de Cervantes, Nelson
Rodrigues, Harper Lee, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Truman Capote,
Marguerite Duras, Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Umberto Eco,
Mark Twain, Júlio Verne, Pablo Neruda, Camilo Castelo Branco…
Em resumo, com o
perdão da sinceridade, somente aquele que pouca atenção dedicou à literatura em
sua vida será capaz de citar superficialmente apenas quinze nomes, sem
preocupação com a contextualização. E, principalmente, sem sentir o remorso por
deixar tantos outros nomes de fora. Eu, por outro lado, sigo mantendo minha
média de leitura de cinco a sete livros ao mesmo tempo, com uma longa lista de
espera, ainda com a esperança de viver muito para ter chance de desbravar mares
que ainda desconheço nessa maravilhosa arte.
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