Críticas

“A Mulher do Lado”, de François Truffaut

A Mulher do Lado (La Femme d’à Côté – 1981)

Bernard vivia feliz com sua esposa Arlette e seu filho Thomas. Certo dia, o casal Philippe e Mathilde se muda para a vizinhança. Este encontro reúne Bernard e Mathilde, antigos amantes. O relacionamento dos dois reacende e complica a vida de todos.

Eu sou completamente apaixonado por esse filme, o penúltimo na carreira de François Truffaut, uma das histórias de amor mais trágicas já filmadas, inspirada parcialmente nas experiências românticas do diretor com Catherine Deneuve.

Já na primeira cena somos apresentados à gentil narradora, Odile (Véronique Silver), a única utilização da quebra da quarta parede na filmografia do mestre francês, com o enquadramento e a ambientação nos levando a crer que ela é uma sorridente tenista, ilusão que a própria quebra, segundos depois, com o distanciamento da câmera revelando que ela utiliza uma bengala para caminhar com dificuldade, consequência de um ato impensado após o fim de um relacionamento amoroso.

O que parece bonito e plácido, na realidade, pode ser triste e profundamente traumático, um elemento sempre reforçado pela fúnebre trilha sonora de Georges Delerue, uma espécie de leitmotiv que se faz presente na relação do casal vivido por Fanny Ardant, no auge de sua beleza, e Gérard Depardieu. Como de costume, Truffaut se apaixonou pela atriz e ela foi sua companheira até o final de sua vida.

Mathilde e Bernard se amaram intensamente outrora, mas a ruptura foi violenta, o que faz com que o reencontro casual, sete anos depois, com ambos estabelecidos em relacionamentos estáveis, provoque uma regressão psicológica considerável nos dois, destruindo todas as pontes criadas com extrema dificuldade pelo inconsciente como forma de proteção. Como se não bastasse esta trapaça do destino, eles são forçados ao convívio diário, já que são vizinhos. Num toque brilhante do roteiro, os dois são casados com perfeitas antíteses de seus pares, e, para elevar a dor, os filhos dos dois tem o mesmo nome: Thomas.

O quarto de hotel compartilhado que inicialmente remete à simbologia dos encontros secretos de “O Último Tango em Paris”, o desejo que explode após ser contido por tanto tempo, o simples beijo que causa um desmaio na mulher, sequências que vão construindo o cenário de uma tragédia anunciada. Quando a lascívia é saciada, os sentimentos que operaram no passado a separação começam a romper brutalmente a camada emocional superficial.

Sem estragar a experiência de quem não conhece o filme, posso garantir que o desfecho ficará em sua memória por muito tempo.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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