A Comunidade (Kollektivet – 2016)
O cineasta mais competente saído do movimento Dogma 95, Thomas Vinterberg, após o irregular “Longe Deste Insensato Mundo”, repete a excelência demonstrada em “A Caça” com o profundamente emocionante “A Comunidade”, buscando inspiração em suas experiências pessoais de adolescente na conturbada década de setenta, época em que seus pais viveram em uma comuna.
Ele parte de uma ideia simples, um casal de meia-idade, um arquiteto e uma apresentadora de telejornal, com uma filha adolescente, herdam uma mansão e decidem poupar despesas transformando o local em uma comunidade.
Para Anna, interpretação brilhante de Tryne Dyrholm, aquela seria uma possibilidade interessante de injetar ânimo na relação conjugal que já estava desgastada. Mas o elemento do caos é inserido na equação quando o seu marido, vivido por Ulrich Thomsen, revela estar apaixonado por uma aluna mais jovem, Helene Reingaard Neumann emulando visualmente a Camille, de “O Desprezo”.
Ao contrário da personagem de Brigitte Bardot no clássico de Godard, que via seu relacionamento conjugal desmoronar, essa femme fatale tem papel ativo na desconstrução familiar, e, por conseguinte, na constatação de que a utopia do coletivismo socialista é frágil. O marido, ao primeiro sinal de discordância do grupo com relação à entrada da namorada, perde totalmente o controle emocional e reivindica de forma arrogante a sua condição prévia de dono da casa.
O espírito libertário do período, pouco antes da Guerra do Vietnã destruir a inocência do mundo, fala diretamente aos valores que o cineasta procurou resgatar, uma camaradagem que sobrevive às desilusões e perdas naturais na vida de qualquer um, a capacidade de sorrir quando se decide aliviar o fardo dividindo-o com alguém.
O desabafo tátil, o poder psicológico do toque, expressado simbolicamente na história contada à mesa sobre o experimento terrível de um rei, algo cada vez mais desvalorizado em um mundo dominado por pessoas escravas das telas de seus smartphones, é um leitmotiv que potencializa a emoção em diversos momentos, como quando as mãos da filha acalmam o desespero da mãe, ou até mesmo agindo como apelo silencioso na mesa de jantar, a mulher ferida também busca alento após a exteriorização da raiva no contato com as mãos daquela que foi responsável por seu sofrimento.
Ao acordar com o som da relação sexual no quarto ao lado, acende um cigarro, visualmente compondo a noção de que ela, ainda dependente do outro, busca complementar automaticamente a satisfação de um prazer que não usufruiu. Até mesmo na consumação sexual da filha ela se torna coadjuvante indireta, com a câmera deslizando da cama ao aparelho de televisão, mostrando seu rosto na tela.
Outro tema importante trabalhado é o conceito elástico de família. A absurda desumanidade de um atendente de hospital que se recusa a dar informações ao telefone sobre um paciente para quem não é de sua família nuclear. E vale ressaltar a beleza da metáfora representada por um menino que vive a fase do amor pleno, sendo inserido no microcosmo que representa a cruel realidade do mundo adulto.
Como a criança de “O Mágico de Oz”, descobrindo em tom poético que o caminho de tijolos amarelos precisa desaparecer para que a maturidade se imponha, conduzindo a um momento belíssimo ao som de “Goodbye Yellow Brick Road”, de Elton John. É impossível revelar mais sobre esta sequência sem prejudicar a experiência do espectador, mas garanto que é inesquecível.
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