Críticas

“A General”, de Clyde Bruckman e Buster Keaton

A General (The General – 1926)

Quando minha avó materna Haydê estava passando um tempo em nossa casa, já bastante fragilizada, os olhos dela brilhavam quando eu a chamava para o quarto para vermos juntos os filmes que ela gostava. Este amor pelo cinema era o que mais nos unia, desde a época de infância, quando ela me emprestava seus discos de trilhas sonoras. Como sou apaixonado por cinema clássico e tenho uma coleção de DVDs que toma todas as paredes, praticamente do chão ao teto, a diversão era selecionar dentre os mais de 4.000 títulos.

Ela adorava “Primavera”, opereta com Jeanette MacDonald e Nelson Eddy, sempre se emocionava muito com as canções e o romantismo das tramas. Mas a nossa última sessão foi com o belo “Sissi” e duas comédias da época de ouro, “Os Tolos Voadores”, com Laurel e Hardy, e “A General”, com Buster Keaton. É incrível como ela, fisicamente frágil pelo Parkinson, parecia rejuvenescer enquanto se entretinha com estes filmes, a mágica que somente a arte produz.

Poucas semanas depois desta sessão ela viria a falecer, então essas obras simbolizam algo especial hoje em minha vida. “A General” não é o meu favorito da filmografia de Keaton, lugar ocupado pelo menos celebrado “Nossa Hospitalidade”, mas é o símbolo máximo da perfeição técnica, matemática, de seus esforços criativos. E mesmo sabendo que os textos abordando clássicos do cinema mudo no especial “Sábio Silêncio” são os que garantem menos acessos no blog, algo que me entristece sobremaneira, eu nunca irei parar de enaltecer estas pérolas responsáveis por tudo o que se vê hoje em dia na indústria.

Sem o apelo melodramático de Chaplin, ou sua refinada visão crítica da sociedade, o homem que não sorria elaborava minuciosamente suas peripécias físicas, o interesse estava na superação das limitações humanas, aproveitando ao máximo o posicionamento da câmera e a edição na execução, invariavelmente desafiando a gravidade, o que resultou em sequências que ainda hoje causam impacto em uma plateia acostumada aos efeitos de computação gráfica, um mérito inestimável.

A graça, ainda que em menor intensidade quando comparada a outros projetos dele, ocorre na superfície, o ritmo acelerado das gags visuais envolvendo o maquinista desastrado tentando alcançar sua locomotiva roubada por espiões, enquanto a Guerra Civil e toda a estupidez do conflito ficam em segundo plano. A máquina imponente serve como inspiração para as mais variadas possibilidades de construção de suspense, a comédia deriva naturalmente das situações, sem a gratuidade agradavelmente irresponsável de boa parte das produções similares da época.

Muitos textos enaltecem a incrível sequência real da ponte que é destruída, com a locomotiva caindo no rio, momento homenageado por David Lean no desfecho de “A Ponte do Rio Kwai”, mas eu gosto muito da pequena cena em que o protagonista corta madeira e não percebe que o exército da União passa atrás dele, uma brincadeira com a ideia de que no cinema mudo, o personagem só escuta aquilo que ele enxerga.

Quando leio argumentos tolos como: “este filme é tão bom que você nem percebe que é mudo”, eu sempre me lembro de cenas como esta, em que o recurso do silêncio é utilizado genialmente, evidenciando que, ao contrário do que muitos pensam, não era uma arte incompleta.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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