Este filme marca o início de um irregular período, de 1962 a 1967, em que Elvis precisou abaixar a cabeça para os argumentos de seu empresário, dedicando praticamente todo o seu tempo aos estúdios de gravação nada acolhedores de Hollywood, gravando faixas ruins para as trilhas dos filmes, uma realidade bastante diferente daquela que vivia em suas sessões musicais em Nashville.
Garotas, Garotas e Mais Garotas (Girls! Girls! Girls! – 1962)
Sonhando em ter seu próprio barco algum dia, o pescador Ross Carpenter (Elvis) trabalha também como cantor de um hotel para ganhar dinheiro. No palco ele atrai a atenção de todos e os olhares de mais de uma garota. Dividido entre a festiva atração principal da boate (Stella Stevens) e a charmosa garota da alta sociedade que posa de moça trabalhadora (Laurel Goodwin), Ross tem que decidir qual será aquela que vai fazer seu coração cantar.
A intenção consciente do produtor Hal Wallis era retornar para a fórmula dos sucessos que o cantor teve na Paramount, algo que o título nada sutil já escancarava, então decidiu que a ambientação seria novamente o Havaí, a trama novamente seria criada por Allan Weiss, que havia garantido o sucesso de “Feitiço Havaiano”, trabalhando o roteiro com Edward Anhalt, responsável por “Os Deuses Vencidos” e pelo noir de Elia Kazan: “Pânico nas Ruas”, e que depois faria os prestigiados “Becket, o Favorito do Rei” e “Mais Forte Que a Vingança”.
A direção ficou a cargo do veterano Norman Taurog, com quem Elvis havia selado boa amizade em dois trabalhos anteriores (“Saudades de Um Pracinha” e “Feitiço Havaiano”), um profissional capaz de equilibrar o divertimento popular com o necessário refinamento técnico dos grandes musicais.
E, vendo por este lado, o resultado é muito satisfatório, ainda que represente uma zona de conforto para a ambição artística do protagonista. Poucos mencionam, mas “Garotas, Garotas e Mais Garotas” foi indicado para o Globo de Ouro, como “Melhor Filme – Musical”, competindo com “A Mais Querida do Mundo”, “Em Busca de Um Sonho”, “O Mundo Maravilhoso dos Irmãos Grimm” e o vencedor: “Vendedor de Ilusões”, que, vale salientar, envelheceu muito mal, enquanto que a diversão despretensiosa comandada por Taurog segue encantando fãs e espectadores casuais.
O carisma do músico, ainda motivado, continuava imbatível. Na sequência do bar, quando ele canta “Return to Sender”, composta por Winfield Scott e Otis Blackwell, a melhor música do filme, a presença no set do amigo cantor Jackie Wilson, conhecido à época como o “Elvis Negro”, que o rapaz admirava, injetou ânimo extra à performance, com a câmera captando Elvis no palco imitando a dança do colega e, com frequência, buscando sorridente a reação entusiasmada de Jackie na plateia.
Quando Wilson teve um derrame em 1975, no auge da carreira, Elvis, até o fim da vida, anonimamente cobriu todas as despesas médicas e garantiu o melhor tratamento possível. A bela Stella Stevens, que no ano seguinte roubaria o coração do personagem de Jerry Lewis em “O Professor Aloprado”, faz o par romântico, mas a relação dos dois nas filmagens não foi muito amistosa, com a atriz desfilando arrogância com toda a equipe logo nos primeiros dias, o que fez com que seu papel fosse consideravelmente diminuído.
Mais sorte teve a doce Laurel Goodwin em seu primeiro papel no cinema, já que conquistou a amizade de Elvis e, anos depois, fez parte do episódio piloto de “Jornada nas Estrelas”. Em uma entrevista posterior ao falecimento do cantor, a atriz relembrou os primeiros dias no set: “Elvis foi extremamente gentil. Não tivemos um romance, ele era mais como um irmão zeloso. Ele chegou a me defender de um ex-namorado agressivo nos bastidores. Aprendi com ele a não levar muito a sério o conceito da fama. Ele não agia como a grande estrela do filme, ele era informal e, por algumas vezes, ele chamou a responsabilidade para si nos problemas, ao invés de deixar a culpa cair nos ombros de algum técnico da equipe.”
O repertório musical, com exceção da já citada “Return to Sender”, variava do medíocre ao suportável. A faixa-título é uma tremenda bobagem, das piores compostas por Leiber/Stoller, salva apenas pelo excelente solo de sax do mestre Boots Randolph. “I Don’t Wanna be Tied”, “We’re Coming in Loaded” e a balada “Because of Love” são interessantes e inofensivas, mas atrocidades como “Song of the Shrimp” (canção do camarão), “Thanks to the Rolling Sea”, “We’ll be Together”, “Earth Boy”, “A Boy Like Me, a Girl Like You” e o tango “The Walls Have Ears” funcionam apenas como simpático acompanhamento para as suas respectivas cenas, o tipo de material que o cantor jamais cogitaria gravar em estúdio para seus discos.
A demanda de canções que inicialmente era razoável, progressivamente foi se tornando absurda. O cantor já não podia se dar ao luxo de selecionar algumas das muitas composições que eram produzidas e pensadas para uma única cena no roteiro, decidindo no ensaio com a banda qual seria a melhor, o pouco tempo entre um projeto e outro, além
da compreensível crescente falta de criatividade da equipe responsável, obrigavam que o artista aceitasse defender as fitas demo que chegavam, sempre com muita dignidade e profissionalismo, eventualmente tirando leite de pedra.
Pela primeira vez o elenco não tinha qualquer nome mais experiente, estratégia que era usada como forma de atrair todo tipo de público, inclusive aqueles que desprezavam a música de Elvis. As suas produções agora seriam direcionadas prioritariamente para os fãs, com eventuais veteranos respeitados buscando a parceria objetivando o lucro certo nas bilheterias. Com os pés fincados na onda do Twist, “Garotas, Garotas e Mais Garotas” é divertimento garantido.
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