Críticas

“Rogue One – Uma História Star Wars”, de Gareth Edwards

Rogue One – Uma História Star Wars (Rogue One – 2016)

Quando J.J. Abrams entregou “O Despertar da Força”, o detrator da trilogia prequel de George Lucas teve que dar o braço a torcer, já que, apesar de tropeços constrangedores, como Jar Jar Binks e o desnecessário conceito dos Midi-chlorians, os roteiros traziam elementos novos, expandiam incrivelmente o cenário político daquele universo, em suma, eles arriscavam. Por mais divertida que seja a aventura de Rey, por mais encantador que seja o BB-8, a trama é uma reutilização preguiçosa de elementos trabalhados no filme original de 1977.

“Rogue One”, um spin-off tonalmente antagônico ao que já foi feito na franquia, comete a audácia de correr riscos consideráveis, ousando subverter as expectativas do fã mais xiita, opção corajosa que merece ser salientada. É a prequel que todos esperavam desde meados da década de noventa, abordando objetivamente o contexto que foi estabelecido na trilogia clássica, ainda que sem se escorar na fácil identificação do espectador com seus personagens familiares. O desafio dos roteiristas Tony Gilroy e Chris Weitz era apresentar esse novo grupo, criando situações que auxiliassem o necessário investimento emocional do público no terceiro ato, sem muleta narrativa alguma.

Não há preocupação em aprofundar a caracterização dos rebeldes, algo que faz sentido ao analisar o todo, alguns passam batido, mas todos são carismáticos e visualmente interessantes, especialmente o monge-guerreiro cego vivido por Donnie Yen, espécie de Zatoichi que reforça a presença mística da Força com sua devoção religiosa. A intenção é evidenciar com traços rápidos a formação de uma equipe improvável, personalidades totalmente diferentes e conflitantes, mas com um ideal nobre que os torna iguais, uma missão perigosíssima que, não importando o resultado, não irá trazer paz para suas consciências.

A jovem Jyn, vivida por Felicity Jones, traz em sua psique a dor de ter sido afastada do pai (Mads Mikkelsen), cientista brilhante responsável pela criação da Estrela da Morte, a arma definitiva de destruição em massa do Império. Sem um momento cinematograficamente poderoso que a mitifique como heroína, talvez por não ter sido concebida com esse objetivo, a protagonista representa, em síntese, a mensagem mais bonita do filme: ao abraçar a causa rebelde, ela encontra o caminho do perdão e possibilita a concretização da redenção do pai, um leitmotiv fundamental na saga. É interessante que ela lidere um grupo que vai contra os dois lados oficiais na batalha, essa atitude preenche lacunas de sua personalidade no texto.

É, acima de tudo, uma história de guerra, gênero que até agora havia ocupado lugar periférico na franquia, sem peso dramático. Sob a direção de Gareth Edwards, o impacto dos tiros assusta, os stormtroopers transmitem real ameaça, você consegue entender o medo que a presença dos gigantescos AT-AT’s incita nas vítimas (com a ajuda sensorial do design de som), a morte ronda cada trincheira, nada é tratado com leveza, não há espaço para piadinhas enquanto os personagens se esforçam para desviar das rajadas. Não há mágica Jedi à mão, a simples necessidade de mover uma alavanca no campo de batalha se torna uma tarefa hercúlea.

O alívio cômico inteligente é defendido pelo robô K-2SO, voz de Alan Tudyk, que me remeteu ao comediante Lenny Bruce, programado para dizer tudo sem filtro moral, invariavelmente ofendendo seus colegas. Na figura de Cassian (Diego Luna), que dedicou sua vida inteira à Aliança Rebelde, enxergamos as consequências, as cicatrizes existenciais decorrentes dessa escolha. Em cenas breves, como quando ele acalma a vítima antes de desferir um tiro fatal, o roteiro delineia uma personalidade torturada, alguém que já ultrapassou todos os limites e sabe que não há vitória capaz de fazer com que ele tenha uma segunda chance na vida.

A trilha sonora de Michael Giacchino não traz um tema forte, o que pode ser explicado pelo pouco tempo que ele teve, apenas um mês, substituindo Alexandre Desplat, mas compreende artisticamente e respeita o trabalho de John Williams na trilogia clássica e na prequel, sem cometer o equívoco de reverenciar demais e soar forçado, ele entrega variações criativas de temas como o “Across the Stars”, de “Ataque dos Clones”.

Há um problema grave no segundo ato, o ritmo cai vertiginosamente, provável reflexo das constantes modificações que foram operadas na pós-produção, mas o terceiro ato redime e minimiza o estrago. A alegoria óbvia do Império atacando a lua de Jedha, um terreno fortemente marcado pela doutrina religiosa, com os conflitos reais no Oriente Médio, um subtexto que enriquece a obra, salienta a relevância da fantasia escapista como meio atraente de inspirar os adolescentes, facilita a identificação. Apesar de parecer uma grande brincadeira, a fantasia questiona os pontos mais espinhosos na sociedade, usualmente dizendo mais verdades do que muitos dramas pretensiosamente complexos.

O Império deseja impor sua ideia de ordem a povos estrangeiros, utilizando violência quando necessário, mas, assim como os oprimidos, nunca haviam sido mostrados organicamente nas tramas, apenas o bom e velho “bem contra o mal”. O roteiro te faz entender o que estava em jogo em “Uma Nova Esperança”, aquilo que se resumia a uma linha no letreiro inicial, você se emociona com o esforço dos combatentes, tendo visto como eles eram tratados. Os rebeldes não são heróis caricatos, não são action figures reluzentes, são sabotadores sujos e assassinos frios, forjados desde a infância pelo ódio sentido por seus ditadores.

O roteiro consegue até mesmo inserir novas camadas de interpretação aos filmes clássicos, sem exagero, “Rogue One”, além de ser uma ótima aventura standalone que satisfaz os fãs sem excluir os não-iniciados, consegue o feito admirável de agregar ainda mais carga emocional aos episódios 4, 5 e 6.

O parágrafo seguinte conterá SPOILERS, eu recomendo que leia o restante após a sessão.

Na indústria de Hollywood os produtores querem vender brinquedos, as refilmagens de ideias já testadas positivamente são a ordem do dia, não há espaço para melancolia em embalagens de McLanche’s felizes. A coragem de construir um produto infanto-juvenil, dentro de uma franquia internacionalmente reverenciada desde a década de setenta, em que todos os heróis morrem no final é impressionante. Nem o robô é poupado.

O desfecho de “O Império Contra-Ataca”, em comparação, pode ser considerado até simpático. O grupo liderado por Jyn aceita a missão com a plena consciência de que não terá um final feliz, um esquadrão suicida que intenciona conquistar a única réstia de esperança contra o domínio supremo de seus algozes, um grupo que busca a ínfima possibilidade de um mundo novo e livre que não irão desfrutar.

A ideia de terminar o filme exatamente momentos antes da icônica sequência inicial de “Uma Nova Esperança” é simples e genial, a utilização da computação gráfica no rosto de uma dublê para resgatar a jovem Princesa Leia é assustadoramente real. O trabalho digital feito com Tarkin/Peter Cushing é eficiente, mas, devido ao maior tempo de tela, causa um mínimo desconforto na imersão, o que é compreensível.

Outra contribuição preciosa à história é a explicação finalmente dada para o ponto fraco da Estrela da Morte, algo estrategicamente incluído pelo pai de Jyn, um recurso que traz ainda mais poesia para a saga. Um detalhe que considero valioso é a inclusão de cenas de arquivo de alguns pilotos de X-Wing do filme original na grandiosa batalha final, um presente para os fãs mais puristas. Mas a cena que resume a importância do projeto é protagonizada pelo personagem mais celebrado, Darth Vader, voz indefectível de James Earl Jones.

A chacina que ele promove no corredor da nave rebelde justifica o pavor que a simples menção de seu nome causa nos personagens de “Uma Nova Esperança”. O vilão nunca havia sido mostrado em ação, utilizando todos os seus recursos, com a brutalidade de alguém que sente não ter nada a perder, mais máquina que homem.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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