Entrevistas

Entrevista com a cantora Monica Mancini, filha do compositor Henry Mancini

Em mais uma entrevista exclusiva para o “Devo Tudo ao Cinema”, conversei com a talentosa filha de um dos maiores e mais queridos compositores de trilhas sonoras da história do cinema, Henry Mancini. Monica é cantora e já trabalhou com nomes como Plácido Domingo, Stevie Wonder, Quincy Jones e Michael Jackson. Ela foi indicada ao Grammy em 2005, pelo disco “Ultimate Mancini”.

O trabalho de seu pai teve um papel fundamental em minha cinefilia, eu escutava a trilha sonora do primeiro “The Pink Panther” todos os dias, quando voltava da escola. Cantava “Nothing to Lose”, de “Um Convidado Bem Trapalhão” (The Party), ao violão, “Moon River” (de “Bonequinha de Luxo”) é uma das minhas músicas favoritas, mas a minha lembrança mais querida envolve seu trabalho em “Pássaros Feridos”. A minha avó materna me presenteou com o livro original quando soube que eu, uma criança na época, estava acompanhando a minissérie na televisão.

O – Monica, você é uma cantora sensacional. Adoro o seu trabalho em “Anywhere the heart goes”, parceria com seu pai em “Pássaros Feridos”, uma das minhas favoritas no repertório dele. Essa minissérie foi parte fundamental da minha infância, um tremendo sucesso na televisão brasileira. Você pode compartilhar conosco as suas lembranças dessa parceria?

M – “Pássaros Feridos” foi, provavelmente, a minha trilha sonora favorita dentre todas as que o meu pai compôs. Ele escreveu muito para projetos televisivos, as pessoas normalmente não lembram disso, muitos temas ao longo dos anos. Esse, especificamente, foi um desafio para ele. Quando você compõe para um filme, você escreve uma hora de música, para um longa-metragem de duas horas. Uma minissérie como “Pássaros Feridos”, foi algo em torno de oito horas de filme. Meu pai levou muitos meses trabalhando. E ele foi recompensado com um Globo de Ouro.

O – Como uma criança que cresceu se divertindo com os filmes da “Pantera Cor-de-Rosa”, protagonizados pelo genial Peter Sellers, e a obra-prima “Um Convidado Bem Trapalhão”, eu sempre tive uma imagem do seu pai como o homem mais gentil da indústria de cinema. O trabalho musical dele, temas como “Royal Blue”, “The Greatest Gift”, “Piano and Strings” e “Dreamy”, que eu escutava em loop durante toda a minha infância, tem como característica principal a ternura, um especial calor humano. Ele realmente se importava com o que fazia, não era apenas um trabalho. Como era a figura paterna Henry Mancini?

M – Se você perguntar para qualquer um dos associados do meu pai, eles irão te dizer que ele foi o homem mais agradável que já conheceram. A sua música fala por si só, mas o que eles lembram é da pessoa. Ele também tinha um maravilhoso senso de humor, algo que se refletiu em sua música, “A Pantera Cor-de-Rosa” é o melhor exemplo disso. Ele gostava de ficar em casa, então tinha um estúdio de gravação, algo que o tornava muito acessível, ele trabalhava em casa. Meu pai amava cozinhar massas nos Domingos, e, quando nós já estávamos crescidos, íamos lá, tomávamos muito vinho e cozinhávamos juntos. Ele aguardava ansiosamente por esse momento durante toda a semana! Se você conhece sua música, você conheceu ele.

O – Como era o processo criativo para ele? Ele demorava muito tempo para finalizar uma trilha sonora?

M – Alguns filmes eram mais fáceis, outros nem tanto. Quando ele estava inspirado, escrevia muito rápido, mas, por vezes, ele travava, esperava a inspiração brotar. Trabalhar com diretores diferentes trouxe para ele diversos desafios, alguns deixavam ele livre para criar, outros gostavam de se envolver diretamente naquilo que não conheciam. Os diretores dirigem, ele faz a música, esse é o correto.

O – Que tipo de música ele escutava em casa? Ele tinha preferência por algum cantor/cantora, ou banda? Ele era amigo de algum músico brasileiro?

M – Eu não me lembro dele escutando algo específico em casa, mas ele tinha um desejo profundo de estar por dentro de todos os gêneros musicais, para utilizar esse conhecimento em suas gravações. Ele gostava de Pop, Country, Rock e Jazz, ele amava todos os estilos. E tinha uma conexão muito especial com a música brasileira, ele visitou o país algumas vezes como jurado no Festival Internacional da Música, com Quincy Jones e Andy Williams. Sergio Mendes foi um de seus melhores amigos, eles tiveram muitas parcerias, ambos eram apaixonados por vinho de qualidade e pela “Boa Vida”.

O – Como uma artista no cenário da indústria musical, você pode escrever sobre a importância do legado maravilhoso do seu pai? Você consegue sentir sua presença criativa na música que é produzida hoje? Eu não consigo imaginar um mundo sem a música de seu pai.

M – Muitos compositores modernos foram influenciados pela escrita do meu pai. Até John Williams dá crédito a ele pela influência do Jazz em suas trilhas sonoras. Quando eu me apresento cantando suas músicas, as pessoas me confidenciam que elas as conduzem para um tempo específico de suas vidas, tempos memoráveis. Até Paul McCartney utiliza o riff de “Peter Gunn” em seus shows. Os jovens que nunca ouviram falar em Henry Mancini, conhecem, com certeza, as suas músicas, especialmente “A Pantera Cor-de-Rosa”. O legado dele atravessa várias gerações.

O – Ele tinha alguma composição favorita, dentre todas as suas participações no cinema?

M – A música favorita dele era “Two for The Road”. Eu nunca soube a razão, mas a letra falava sobre seu relacionamento com minha mãe. Essa era a música deles.

O – Você pode compartilhar alguma história interessante/engraçada envolvendo a relação de seu pai com pessoas como Blake Edwards, Audrey Hepburn e Peter Sellers?

M – O meu pai teve uma amizade de trinta anos com Blake Edwards, que introduziu Peter Sellers em sua vida. Eu passei muito tempo com o Blake e com sua esposa Julie Andrews. Eu me lembro deles gargalhando juntos o tempo todo. Blake tinha um senso de humor tolo e perverso, assim como meu pai. Acho incrível que eles tenham conseguido produzir algo juntos! Eles confiavam muito um no outro, sem interferências criativas. Eu passei pouco tempo com Peter Sellers, quando eu era pequena. Ele era uma figura estranha. Ele era tão engraçado nos filmes, mas sombrio no convívio pessoal. O meu pai amava compôr para as cenas dele, ele considerava Sellers um artista brilhante.

Audrey Hepburn era simplesmente apaixonante! Eu me lembro de ficar apenas olhando para ela, pensando em como ela era magrinha. Ela amava a forma como o papai compunha para seus filmes. Ela sempre requisitava sua participação. Eu ainda sou amiga de seu filho Sean, que vive na Itália, vejo Julie com frequência. Ela é uma das pessoas mais doces que conheço.

O – Qual a sua composição favorita do repertório dele?

M – Creio que “Days of Wine and Roses” seja a minha favorita. Há algo na melodia que é tão simples, mas também tão profunda. Você conhece o filme (“Vício Maldito”, de 1962), ele é bem intenso. Cantores de jazz normalmente trabalham nessa canção. E quando eu os lembro sobre o tema que ela trata, eles pensam: “Oh, eu nunca pensei na letra da música”. Eu sempre penso na letra.

O – Sobre a relação de seu pai com o cinema, você se lembra de algum filme especial que viram juntos? Quais eram os filmes favoritos dele (fora aqueles em que trabalhou)?

M – Não costumávamos ir muito ao cinema. Acho que o último filme que vimos em família foi “O Exorcista”, em 1973, no dia de Natal! Mas víamos muita televisão juntos. Ele amava comédias. Ele também amava os filmes do “O Poderoso Chefão”, gostava também do cinema italiano. O seu filme favorito era “A Doce Vida”, seguido de “Cinema Paradiso”. “Meu Primo Vinny” era sua comédia favorita.

Haviam filmes em que ele trabalhou, que não eram tão bons, mas a música era fantástica, então ele produzia mais do que acabava sendo utilizado. Ele lamentava isso. Ele teve uma trilha sonora descartada por Alfred Hitchcock, “Frenesi”. O diretor achou que era “muito macabra”, ele acabou usando música clássica. O meu pai ficou muito desapontado com isso.

O – Monica, você pode deixar uma mensagem especial para os meus leitores, os fãs brasileiros do legado do seu pai?

M – Eu nunca visitei o Brasil, isso está, definitivamente, no topo da minha lista de desejos. Gravei recentemente uma canção com Isabella Taviani, chamada “Sometimes”, que meu pai e minha irmã escreveram para os “Carpenters”, em seu disco mais vendido. Fizemos um belo dueto utilizando a faixa original de piano tocado por meu pai. Eu espero que possamos cantar juntas em algum show no Brasil.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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