La La Land (2016)
A cena inicial sintetiza uma das propostas do filme, a proposta mais óbvia, a celebração do gênero musical, a importância de se apreciar a beleza de suas convenções. O ato antinatural de contar uma história utilizando o canto e a dança, a reclamação mais comum dentre os detratores de musicais, apenas agrega mais possibilidades criativas. É preciso ter sensibilidade.
A sociedade está cada vez mais insensível, impaciente e intolerante, mas a música está sempre presente, de alguma forma, até mesmo no alarme de mensagens do celular.
Ao optar por dar o tom da trama mostrando vários motoristas entretidos musicalmente, enquanto aguardam o trânsito fluir, Damien Chazelle evidencia a onipresença melódica que é capaz de nos conduzir para a infância, ou ajuda a relembrar amores perdidos e marca momentos especiais, nos faz rir e chorar, em suma, enverniza a vida com a matéria de que são feitos os sonhos.
O timing de lançamento não poderia ser melhor, vivemos uma completa inversão de valores, a juventude despreza a memória cultural, a lavagem de dinheiro movendo o monopólio na indústria com péssimos estilos musicais, o público preguiçoso aceitando de bom grado ser manipulado pelas estratégias de marketing, aplaudindo a música de sucesso da semana, admirando artistas que sequer valorizam suas próprias carreiras.
Sebastian (Ryan Gosling) é um alienígena nesse contexto, um jovem apaixonado por jazz e que se empolga ao falar do passado, alguém que se preocupa com a integridade de sua arte, frustrado por ser obrigado a desperdiçar seu talento entregando “música de elevador” para clientes que ignoram sua presença.
Em um mundo medíocre em que a plateia prioriza a filmagem do show, logo, mais preocupada em exibir sua alegria nas redes sociais do que, de fato, aproveitar plenamente a experiência, o rapaz se surpreende positivamente quando alguém numa mesa próxima aplaude ao final de sua apresentação.
Mia (Emma Stone) sonha em ser valorizada como atriz, apaixonada pela história do cinema, mas está inserida em uma engrenagem cruel que parece objetivar a destruição do ego dos genuinamente talentosos, para que haja espaço seguro para os pilantras.
Os seus testes são frequentemente interrompidos, os responsáveis pela seleção demonstram desinteresse, como se estivessem apenas preenchendo um requisito necessário no jogo, sabendo que os papeis já foram conquistados horizontalmente por rostos bonitos e intelectualmente vazios.
O casal simboliza a resistência, os enquadramentos abertos em planos sem cortes nas sequências de dança refletem esse aspecto, resgatando a tradição do gênero na época de ouro, quando Fred Astaire afirmava que a câmera não devia tentar dançar junto com ele. Nos poucos musicais modernos, os cortes rápidos constroem a cena, o dinamismo tolo que visa manter a atenção dos adolescentes idiotizados pelo entretenimento de massa.
“La La Land” resgata este preciosismo dos bons tempos, prestando respeitosa homenagem aos grandes coreógrafos, com referências deliciosas a clássicos como “Cantando na Chuva”, “Sinfonia de Paris”, “Os Guarda-Chuvas do Amor”, “Cinderela em Paris”, “A Roda da Fortuna” e “O Picolino”.
A trilha sonora de Justin Hurwitz garante o refinamento necessário, com destaque para “City of Stars”. “Another Day of Sun” é divertida, mas infelizmente remete à pasteurização irritantemente inofensiva do gênero nas últimas décadas. “A Lovely Night” é outro ponto alto, assim como a intimista “Audition (The Fools Who Dream) ”, emoldurando o emocionante desabrochar artístico de Mia, transformando sua angustiante dor em arte.
O encanto da trama simples, ajudado pelo carisma arrebatador do casal, reside no carinho nostálgico com que se dedica a “ensinar” o público moderno a apreciar o gênero musical.
Assim como Sebastian consegue fazer Mia compreender e apreciar o jazz, Chazelle organiza um fac-símile irresistível e especialmente emocionante para fãs, mas também um mágico despertar sensorial para aquele espectador que sente enjoo ao ver um personagem quebrar a quarta parede cantando as linhas de diálogo.
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