Noite e Neblina (Nuit et Brouillard – 1955)
O Holocausto não pode virar página esmaecida nos livros de História, um acontecimento distante a ser estudado durante um período da vida, um drama humano que eventualmente serve como pano de fundo objetivando lucro nas bilheterias do cinema.
A banalização do mal abre espaço para equivocadas reinterpretações e facilita a repetição do erro. O fascista do futuro vai se posicionar como antifascista para promover o caos social e esconder os maiores absurdos. Alain Resnais, dez anos após a liberação dos campos de concentração, produziu o documentário mais importante sobre o tema, com apenas trinta minutos, eu considero este filme muito superior às celebradas dez horas de “Shoah”.
O pungente texto de Jean Cayrol, sobrevivente de um campo de concentração, consegue ser tão impactante quanto os registros em vídeo, exatamente pelo minimalismo certeiro com que salienta a necessidade de se refletir sobre o monstro que reside em cada indivíduo. De quem é a responsabilidade? Hitler sozinho não teria conseguido estruturar esta destruição em massa, ele não enfeitiçou milhões de alemães. Joseph Goebbels sozinho não teria conseguido operar sua máquina de propaganda em direção tão absurdamente cruel. O medo ilógico foi o primeiro passo. O argumento inicial foi que os judeus transmitiam doenças, os nazistas exigiam passaporte sanitário.
Eles eram peças na engrenagem, alimentados pela propensão do ser humano ao apedrejamento, o apreço eufórico dos ignorantes pelo discurso de ódio, a negação do diálogo. Esta alquimia torpe possibilitou a doutrinação rápida, as sementes já estavam sendo irrigadas desde a infância. A câmera atravessa Auschwitz e Majdanek, enfocando que o “processo de limpeza” alemão estava alicerçado nos instintos mais baixos, eles não queriam apenas eliminar os judeus, eles desejavam impor a humilhação extrema, a dor incalculável prolongada.
A conclusão que se tira é devastadora, não havia ideologia alguma em grande parte daqueles que agiram, direta ou indiretamente, neste genocídio, apenas um extravasamento doentio de sentimentos baixos que despertaram intensos com a certeza da impunidade. O mal está apenas aguardando nas sombras, a sociedade não está livre de vivenciar algo até mais desumano, basta que um coletivo de indivíduos vire suas costas para a lucidez e rejeite a empatia.
É fundamental que nos mantenhamos vigilantes.
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Excelente resenha e dolorosamente atual.