Críticas

“O Mágico de Oz”, de Victor Fleming, King Vidor e George Cukor

O Mágico de Oz (The Wizard of Oz – 1939)

Há um motivo para que “O Mágico de Oz” seja considerado por muitos como o melhor filme infantil de todos os tempos, mas uma leitura superficial pode cometer o equívoco de reduzir a obra ao encantamento singelo das canções e ao carisma inegável dos personagens.

O entretenimento é garantido pela eficácia desses elementos, mas o subtexto da trama é filosoficamente profundo, algo que fica na mente do espectador após a sessão, ainda que ele não perceba claramente.

Os aspectos técnicos também são relevantes, o vibrante Technicolor, que recentemente havia sido experimentado em “Vaidade e Beleza” (1935) e conquistado o público em “Amor e Ódio na Floresta” (1936), um recurso utilizado narrativamente com criatividade e ousadia pioneira. Hoje, com crianças que sequer aproveitam a fase lúdica, sendo irresponsavelmente jogadas pelos pais em um universo de tablets e smartphones, a mensagem da adaptação cinematográfica do livro de L. Frank Baum é ainda mais importante.

O filme é dedicado aos jovens de coração. Os adultos são mostrados como insensíveis, inseguros, presos a rituais que seguem sem compreender a razão. A vizinha agride o cãozinho Totó, a menina Dorothy (inesquecível Judy Garland) tenta contar para os tios, que não dão atenção, ocupados demais em seus afazeres. Os empregados do local, amigos da menina, sugerem que ela adote o medo como modus operandi nessas situações, evitando o problema. Até mesmo o único deles que sugere coragem, acaba se mostrando segundos depois um medroso contumaz. Outro, vaidoso, diz que ainda vão fazer uma estátua dele na cidade, ele quer que seu trabalho seja valorizado.

A tia aconselha a menina a ficar em um lugar em que não possa causar problemas. A sábia criança responde: “Um lugar onde não existem problemas, você acha que existe um lugar assim?” É a deixa para que ela entoe a linda música-tema “Somewhere Over The Rainbow”, além do arco-íris deve existir essa terra utópica. Em apenas cinco minutos o roteiro estabelece o tema principal: a necessidade de manter viva sua criança interna, enfrentando o medo e questionando sempre, ao invés de se apoiar totalmente em muletas existenciais.

Quando a vizinha diz que vai mandar sacrificar o cão, os tios inicialmente não demonstram reação, algo que só acontece quando a menina pede para que o castigo seja dado a ela, poupando seu animal de estimação. A simples menção de uma lei faz com que a tia se amedronte (“não podemos descumprir a lei”), o tio é capaz de tirar o cão dos braços da menina para entregar à vizinha. A brutalidade da cena é impressionante. Ao tentar reunir forças para defender a sobrinha, a mulher logo se vê tolhida por suas crenças religiosas (“faz vinte e três anos que morro de vontade de dizer o que penso, mas sendo uma boa cristã, não posso dizer nada”).

O misticismo retorna no auge do desespero da menina, que foge com Totó, o encontro com o mágico itinerante, que exibe teatralidade ao conquistar sua atenção com a bola de cristal. Ele pede para que ela feche os olhos e se concentre, enquanto procura algo na cesta dela que facilite sua “visão”. Seguindo a descrição da foto encontrada, ele a acalma e a faz ter pena da tia. A mentira, utilizada com boa intenção, traz paz e conforto. Ela corre para casa, o furacão conduz ela para o mundo dos sonhos, o sépia é substituído pelo escapista Technicolor, a melodia “Somewhere Over The Rainbow” se faz presente reforçando o abraço da ilusão.

Glinda (Billie Burke), a bruxa bondosa, a lembrança de sua falecida mãe, aparece em uma bolha cor de rosa. Em algumas versões de outras mídias ela é mostrada como a responsável pelo furacão, o símbolo da solidão angustiante da filha, a finitude.

A casa, símbolo da criança protegida do mundo, caiu sobre a bruxa (Margaret Hamilton) má, o que enfurece a irmã, projeção da vizinha. Da mesma forma que a menina, indiretamente, por causa do cão, causa a fúria daquela mulher. Ela então é aconselhada a não se afastar da estrada dos tijolos amarelos. Nada é simples e seguro, a estrada logo se bifurca em dois caminhos aparentemente idênticos.

A vida é feita de escolhas. O espantalho (Ray Bolger) é triste por não conseguir assustar ninguém, coloca a culpa de seus problemas na ausência de cérebro. O homem de lata (Jack Haley), sem óleo, estagnado, imóvel como a estátua que sua versão humana desejava. A valorização de outrem não importa quando o próprio indivíduo não se valoriza. Ele coloca a culpa de seus problemas na falta de coração. O leão (Bert Lahr) gosta de parecer brigão, valente, mas ao primeiro sinal de revide, ele chora. Ele se cobra demais. E coloca a culpa de seus problemas na falta de coragem. Todos então marcham cantando ao encontro do grande mágico, a solução divina.

Ao chegarem na Cidade das Esmeraldas, obviamente tocam o sino. O porteiro atende chateado, mostrando uma placa que informa que o sino está quebrado. A mentira é clara. Os visitantes são levados a crer em algo que evidentemente não é verdadeiro. Esse é o tom da aventura. O grande mágico se revela uma tola farsa.

E, da mesma forma que o itinerante, sua versão no mundo real, utilizou uma mentira para fazer com que a menina voltasse para casa, ele faz todos acreditarem que seus desejos estão sendo atendidos, ainda que não da forma como eles esperavam. E qual a forma encontrada? O reconhecimento de outrem. Um diploma para o espantalho, uma medalha para o leão, um relógio em formato de coração para o homem de lata. Eles, adultos inseguros, precisavam apenas do aval alheio, eles já tinham as qualidades que buscavam.

Já a menina, uma última frustração como parte do duro aprendizado, o balão que a levaria de volta para o Kansas parte sem ela. Novamente, no auge do desespero, a figura da mãe reaparece. Dorothy, já confortável em sua cama, aprende por ela mesma que na vida real não há respostas fáceis.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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