Críticas

“John Wick – Um Novo Dia Para Morrer”, de Chad Stahelski

John Wick – Um Novo Dia Para Morrer (John Wick: Chapter 2 – 2017)

É um toque de gênio iniciar com uma exibição acrobática de Buster Keaton sendo projetada no prédio. O cinema independente “cabeça”, as obras umbilicais dramáticas, o equivocado conceito de “filme de arte” defendido por cinéfilos pseudointelectuais e críticos tolos, essas produções só existem graças ao lucro obtido com as fitas de gênero. O cinema se formou com as estripulias perigosas pioneiras de Keaton, o balé cômico de Chaplin, Harold Lloyd se pendurando no ponteiro do relógio, Stan Laurel e Oliver Hardy se equilibrando no alto de um edifício em construção e Douglas Fairbanks saltando como uma raposa em “A Marca do Zorro”. O cinema não existiria hoje sem a contribuição dos filmes de ação. A homenagem proposta é, acima de tudo, um ousado resgate para um público-alvo formado em sua maioria por adolescentes, o que, por si só, já mereceria aplausos. “John Wick – Um Novo
Dia Para Matar”, dirigido pelo mesmo Chad Stahelski do original “De Volta ao Jogo”, promove outra bela homenagem no terceiro ato, um tiroteio em uma sala de espelhos, o que remete diretamente ao clássico de Bruce Lee: “Operação Dragão”.

A sequência pré-créditos repete algumas ideias coreográficas do primeiro, intensificando o tom e oferecendo variações embasbacantes, mantendo os enquadramentos na simplicidade, sem trepidações de câmera, fazendo do combate corpo a corpo uma espécie de dança, maneira impecável de estabelecer para o público novo o personagem título, vivido por Keanu Reeves, como a figura imponente que intimida até os marginais mais insanos. O resultado é inferior ao “De Volta ao Jogo”, apesar de contar com um orçamento maior e superar tecnicamente o anterior em todos os aspectos. O problema principal está no roteiro. A longa duração acerta ao explorar com mais detalhes os meandros da
organização de assassinos, mas sabota terrivelmente o ritmo ao inserir uma subtrama
dispensável defendida por Laurence Fishburne, decisão que parece ter sido pensada apenas como forma de reunir a dupla de “Matrix”.

O segundo ato se arrasta, minimizando o impacto dos rompantes de ação. A motivação criada para fazer o personagem atrasar sua aposentadoria é desgastada, o vilão, vivido sem brilho pelo italiano Riccardo Scamarcio, obriga Wick a cumprir uma missão genérica,
sem qualquer relação emocional com ele, como forma de honrar sua promessa de sangue. É difícil enxergar relevância na tarefa, o que prejudica a imersão do espectador. Ruby Rose vive uma assassina muda, recurso utilizado pelo roteiro sem muita criatividade, parece ter sido inserido apenas para dar um toque exótico.

Outro problema é que o roteiro falha em trabalhar as consequências físicas e psicológicas dos danos sofridos nos conflitos, o filme se torna um videogame de tiro em primeira pessoa, Wick é quase invulnerável. No primeiro, apesar dele passar pelas situações mais absurdas, o roteiro se preocupava em evidenciar o desgaste que ele sentia a cada oponente vencido. O submundo da organização é expandido consideravelmente, com o
roteiro de Derek Kolstad aceitando o risco de forçar a barra na suspensão da descrença, especialmente na sequência que finaliza a trama, uma opção que abre as portas para a possibilidade de uma franquia, porém, consequência natural, banaliza o impacto do primeiro filme e reduz o protagonista a um genérico tipo etiquetado para o consumo rápido nas bilheterias.

Não me surpreenderei se, em alguns anos, estiver vendo John Wick sendo enviado para uma missão espacial, perseguido por caçadores de recompensa marcianos. Torço sinceramente para que o plano do diretor envolva apenas uma trilogia fechada, algo que respeite os fãs e seja coerente ao tom do original.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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