Críticas

“Moonlight – Sob a Luz do Luar”, de Barry Jenkins, na HBO MAX

Moonlight – Sob a Luz do Luar (Moonlight – 2016)

Acordar sabendo que a sociedade o rejeita de diversas formas, excluído por ser pobre e negro, agredido na escola por ser introvertido, internamente incapaz de compreender sua homossexualidade, obrigado a medir cada gesto, silenciar impulsos, sem poder contar com a estabilidade emocional de uma mãe (Naomie Harris) entregue ao vício em crack, este é o cotidiano do pequeno Chiron.

A sua única figura paterna, um traficante de drogas que o encontra arredio, fugindo do ataque de seus colegas, alguém que enxerga nos olhos da criança a pureza que outrora guiava suas ações, antes do mundo o bestializar. O homem, vivido impecavelmente por Mahershala Ali, tem consciência de que faz parte da engrenagem que está destruindo o garoto, a culpa o humaniza, evitando inteligentemente o estereótipo.

Ambientado na década de oitenta, o primeiro ato do filme, roteirizado e dirigido por Barry Jenkins, adaptado de uma peça inédita de Tarell Alvin McCraney, explora a trepidante formação psicológica do protagonista, a resistência da gentileza natural perante a brutalidade excessiva do sistema em que ele está inserido. “Little” (pequeno), apelido genérico, evidência de sua irrelevância enquanto indivíduo, reflexo do desinteresse do outro em memorizar seu nome.

Ao humilhar o filho no auge da dependência química, a câmera subjetiva no ponto de vista do menino nega o som da ofensa, apenas a reação dele importa, a mente não quer aceitar a realidade deprimente, a palavra utilizada só tem poder quando o receptor acusa sua existência. Neste estágio inicial o leitmotiv é a recusa como estratégia de defesa.

No segundo ato, intitulado “Chiron”, encontramos o protagonista atravessando o difícil período da adolescência, o momento em que todos tentamos firmar o caráter e vencer nossos medos, por conseguinte, ele não é definido mais por um apelido, o rapaz tenta encontrar uma forma de enfrentar os obstáculos sem abandonar totalmente sua essência.

Os abusos na escola, local que deveria simbolizar proteção, acabaram se tornando mais intensos, a degradação física e mental da mãe alcança um nível insuportável, o universo conspirava para que ele fosse abatido irreversivelmente, porém, na areia da praia e sob a luz do luar, acompanhado de um amigo, ele reúne coragem para agir, a repressão de anos é finalmente subjugada.

Como o interesse da obra não é provocar catarse emocional, o que a reduziria ao molde batido dos romances LGBT, Jenkins filma essa vitória pessoal às costas dos rapazes, ele não intenciona simploriamente rotular sentimentos nem estirar bandeiras. Chiron, encarando pela primeira vez os olhos de sua imagem no espelho, sofre uma terrível traição, uma atitude que quebra seu espírito.

Quando o encontramos novamente no terceiro ato, vários anos depois, ele abraçou a couraça da mentira, esculpiu seu corpo e bloqueou sua mente, um novo homem que sobrevive no submundo do crime, “Black”, um personagem fictício nomeado a partir de um apelido dado na infância pelo seu antigo amigo. A sociedade bateu tão forte que acabou vencendo, ele já nem acusa a dor dos golpes, o silêncio alcança sua expressividade mais amargurada.

A elegância com que o filme encaminha a história para seu desfecho é impressionante, sempre coerente no tom, salientando poeticamente o foco narrativo na difícil reconstrução psicológica do protagonista, vivido brilhantemente por Alex R. Hibbert (Little), Ashton Sanders (Chiron) e Trevante Rhodes (Black).

“Moonlight: Sob a Luz do Luar” encanta sem apelar para qualquer clichê, mérito raro, creio que será o único filme dentre os indicados ao Oscar deste ano que continuará relevante artisticamente no futuro.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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