Ghost in The Shell (Kôkaku Kidôtai – 1995)
Antes de você perder tempo com a adaptação norte-americana que está estreando hoje em nossos cinemas, dirigida por Rupert Sanders, do terrível “Branca de Neve e o Caçador”, eu recomendo que conheça o genial material original, o mangá de Shirow Masamune (pseudônimo de Ota Masanori), de 1989, e a animação dirigida por Mamoru Oshii, em 1995.
É importante estabelecer inicialmente o contexto da obra, que remete diretamente ao livro “O Fantasma da Máquina”, escrito por Arthur Koestler, lançado em 1967, que critica o comportamentalismo de B.F. Skinner e o dualismo cartesiano de Descartes. Não há distinção de mente e corpo, o “fantasma” é o id na casca (shell), que nesta sociedade futurista dominada pela inteligência artificial pode ser substituída a qualquer momento.
A protagonista, Motoko Kusanagi, ciborgue que comanda a força-tarefa da Seção 9, apresentada nos quadrinhos com leveza e muitos toques de humor até os complexos capítulos finais, ganha contornos mais sóbrios no filme, uma introspecção coerente com o pouco tempo disponível para trabalhar todos os temas.
Ela pode se comunicar através de cabos no pescoço, conceito pioneiro, muitos anos antes da existência no mundo real do usb e wi-fi, elemento que, dentre muitos outros, seria reverenciado generosamente (para não dizer copiado) em “Matrix”. O perigo é representado na figura do mestre dos fantoches, um software hacker com consciência, logo, que se considera uma forma de vida, passível de asilo político, ao invés da prisão por seus crimes.
Quem, como eu, ama “Blade Runner” e aprecia a literatura cyberpunk, o mestre William Gibson e a trilogia formada por “Neuromancer”, “Count Zero” e “Mona Lisa Overdrive”, vai encontrar terreno fértil para discussões filosóficas na trama.
O que é ser humano? Quais são os malefícios da inescapável perda de individualidade? Uma memória implantada no cérebro causa a mesma emoção de uma experiência real? Um computador pode ter “alma” (o fantasma)? Se a vida consiste na preservação da informação, o software não pode ser reduzido a qualquer objeto inanimado.
A solução encontrada para o problema também inspirou vários projetos posteriores, até mesmo videogames como a brilhante trilogia “Mass Effect”, que, em um dos desfechos possíveis no terceiro jogo, propõe o próximo passo evolutivo, a síntese entre homem e máquina.
A belíssima animação dedica tempo precioso ao silêncio em uma sequência que evidencia a dependência tecnológica na cidade, ajudando a compor o clima com a trilha sonora minimalista de Kenji Kawai. É possível encontrar também uma referência visual ao “Persona”, de Ingmar Bergman, na cena de “diálogo” entre Motoko e o mestre dos fantoches, o espelhamento no enquadramento dos rostos, refinamento pouco usual.
“Ghost in The Shell”, mangá e animação, obras-primas que somente melhoram em revisão.
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