Críticas

“Ser Ou Não Ser”, de Ernst Lubitsch

Ser Ou Não Ser (To Be or Not to Be – 1942)

Na Polônia ocupada durante a Segunda Guerra Mundial, um grupo de atores canastrões cai nas graças dos nazistas. Eles ficam sabendo que terão de impedir um espião de entregar aos alemães uma mensagem danosa para a resistência.

Falar do diretor alemão Ernst Lubitsch sem citar o famoso “Lubitsch Touch” (Toque Lubitsch) seria impossível, pois faz parte de sua mitologia.

A expressão que busca descrever o estilo único do diretor tem sido discutida, através das décadas, por cinéfilos e profissionais da crítica. Dentre as várias definições já elaboradas, cada uma mais criativa que a outra, esta é a minha favorita: “O elegante uso da piada sobreposta. O roteiro já serviu a piada ao público, que sorri satisfeito. Então o roteiro apresenta na sequência uma piada ainda mais engraçada, que o público não esperava.”

Billy Wilder, um dos maiores fãs dele (em seu escritório havia uma placa que dizia apenas: “O que Lubitsch faria? ”), definiu a arte de seu ídolo: sempre surpreender o público. Algo que o pupilo aprendeu muito bem e fez uso em seus trabalhos, como no clássico e inesperado: “Ninguém é perfeito”, no desfecho de seu “Quanto Mais Quente Melhor”.

Eu definiria de forma um pouco diferente, pois acredito que a genialidade do diretor residia na sua incrível capacidade de manter suas obras simples e acessíveis, mesmo envoltas no maior refinamento. Os temas podiam ser sofisticados, os diálogos muito inteligentes, mas sua forma de apresentá-los era humilde e generosa. Como um bom anfitrião, ele queria que todos se divertissem em suas festas.

Utilizar o nazismo como pano de fundo para uma comédia era algo bastante arriscado na época. Chaplin havia enfrentado Hitler dois anos antes, em “O Grande Ditador”, o seu filme era um drama com toques de humor, em que o ponto alto consistia em um belo e sério discurso humanista. Lubitsch gargalhou na cara dos nazistas sem nenhum subterfúgio. A sua ousadia foi tanta que causou o fracasso da obra em sua estreia, com o público se recusando a pagar para rir de algo tão ameaçador como os nazistas.

Frases ditas no filme, como a sensacional resposta do oficial alemão quando perguntado sobre o ator, vivido por Jack Benny, causaram polêmica: “Eu o conheço, ele protagonizou uma vez em Hamlet. O que ele fez com Shakespeare, nós estamos fazendo com a Polônia”. Para os jovens cinéfilos que estão iniciando nesta maravilhosa jornada, reflexos deste filme podem ser percebidos em “Bastardos Inglórios”, de Quentin Tarantino. Nos dois, o nazismo é vencido ludicamente pela arte.

Os componentes da companhia teatral estão em constante disfarce, utilizando o talento como arma contra a violência bestial. Eles começam procurando vencer o medo com humor, satirizando Hitler em suas apresentações, acabam descobrindo que a gargalhada apenas adia ou enfraquece o medo, não o subjuga. O medo do personagem vivido por Jack Benny é compartilhado por quase todos os atores: a rejeição.

A sua esposa, vivida por Carole Lombard, que viria a falecer logo depois das filmagens em um desastre de avião, marca encontros furtivos com um jovem nos bastidores, enquanto seu marido defende o clássico e longo monólogo de Shakespeare. Ele percebe que o jovem se levanta enquanto ele inicia o solilóquio, mas mesmo após descobrir a razão, ele ainda se questiona sobre sua capacidade de entreter seu público.

Esta piada já estabelecida ao longo da obra entrega, na cena final, um impagável clássico símbolo do “Lubitsch Touch”.

* O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora “Obras Primas do Cinema”.

Octavio Caruso

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