Dogma (1999)
O mundo corre o risco de desaparecer. Tudo por causa de Bartleby (Ben Affleck) e Loki (Matt Damon), dois anjos expulsos do céu e que querem retornar a qualquer custo. Para tanto, eles têm um plano: Cruzar o portal de uma igreja em New Jersey para, absolvidos de seus pecados, poderem retornar ao paraíso. Só que tal ato provaria que Deus é falível e, como consequência, a realidade se desmancharia. Para evitar que a tragédia ocorra é montada uma equipe de combate aos anjos, formada pela última descendente de Jesus Cristo (Linda Fiorentino), um 13º apóstolo negro (Chris Rock), dois profetas (Jason Mewes e Kevin Smith) e uma Musa Inspiradora (Salma Hayek).
Eu lembro que tomei conhecimento do filme à época da estreia nas páginas da revista Sci-Fi News, o tema e a abordagem me fizeram vibrar por antecipação. Eu já gostava muito do trabalho do roteirista/diretor Kevin Smith, “O Balconista” e “Barrados no Shopping”, que gravei de exibições no Telecine, quando a televisão a cabo ainda era uma novidade lá em casa. Ele é o tipo de pessoa que consegue transformar qualquer assunto em algo hipnoticamente interessante, basta ver como ele domina a plateia até hoje em suas apresentações com um senso de humor muito afinado.
O roteiro é brilhante, a cantora Alanis Morissette interpreta “Deus” como uma criadora com senso de humor, Chris Rock faz um apóstolo negro amargurado por não ter sido citado na Bíblia, Salma Hayek e Alan Rickman aproveitam cada segundo, cada linha espirituosa de texto, como figuras divinas nada convencionais.
Para um adolescente questionador, ávido leitor de Carl Sagan, Isaac Asimov e outros mestres do gênero, nada poderia ser mais bem-vindo que uma divertida crítica à religião organizada. E “Dogma”, como já se poderia esperar, foi muito apedrejado pelos encabrestados religiosos, apesar de ser essencialmente uma celebração da fé. É como salienta o anjo supremo Metatron, vivido por Alan Rickman, os humanos só se importam em conhecer a matéria na superfície, eles são capazes de manter crenças sem qualquer conhecimento sobre o tema.
Logo nas primeiras cenas, uma personagem afirma que se cansou de ir às missas e não sentir nada, o ritual é a perfeita antítese de tudo o que Jesus pregou, ele era o primeiro a dizer que a oração devia ser um ato solitário do indivíduo, ele odiaria saber que templos foram levantados em seu nome.
Mas, neste mundo moderno tão exótico, até mesmo feministas podem ser católicas, o estudo é algo cada vez mais menosprezado, adultos alfabetizados ainda enxergam alguma relevância divina na figura de um Papa, nada mais justo que Smith convocar o saudoso comediante George Carlin, ateu fervoroso, para viver um padre que busca uma imagem simbólica mais boa praça do Cristo, algo menos depressivo que o corpo crucificado usual para tentar renovar o interesse do povo pela igreja, o sorridente “Buddy Christ”, profetizando, de certa forma, a estratégia que colocou Jorge Mario Bergoglio como o atual Chefe de Estado do Vaticano.
Ao final da sessão, a proposta de reflexão é irresistível. A fé é preciosa, Jesus ensinou que o amor é a única verdade, mas as organizações religiosas foram criadas pela ganância humana, pelo gosto do homem por poder, possibilitando absurdos como os cometidos pelos pastores neopentecostais televisivos.
É preciso querer abrir os olhos. Será que a massa facilmente manipulada está preparada para isto?
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