Cairo 678 (678 – 2010)
O novo filme do diretor, “Clash”, está sendo exibido em apenas uma sala de cinema no Rio de Janeiro, uma pérola que poucos irão ter a chance de conhecer. Eu gosto muito do anterior, um promissor filme de estreia, “Cairo 678”, que sempre recomendo como um excelente primeiro passo para aqueles interessados em conhecer o cinema egípcio.
“Sofremos para ser discretas e não chamar atenção.”
A culpa que a mulher sente, o pensamento tacanho que a escraviza em uma rotina de medo constante, a fonte de histórias reais que o roteirista/diretor Mohamed Diab utilizou para montar sua trama.
Três mulheres de classes sociais diferentes, visões muito particulares sobre a repressão que sofrem, vítimas de abuso. Fayza (Bushra) é incomodada todos os dias em suas viagens de ônibus, a péssima situação financeira a impossibilita de chegar ao trabalho de táxi, então, invariavelmente, ela se atrasa e é descontada pelo patrão, os filhos pequenos são humilhados na escola quando ela deixa de pagar uma mensalidade, uma situação terrível que se agrava ainda mais por ela ter um companheiro insensível, que pensa apenas em satisfazer seus caprichos na cama, ele a enxerga como um objeto.
Atravessando este martírio nas ruas, ela passa a evitar o marido, o que somente complica ainda mais sua rotina. Seba (Nelly Karim), após uma experiência traumática em um estádio de futebol, evento que faz com que seu namorado a abandone, dedica sua vida a incentivar o revide feminino. Nelly (Nahed El Sebaï) trabalha como atendente em call center, repreendida frequentemente por seu patrão, que não aceita que ela desligue na cara dos atrevidos. Ela tenta encontrar seu lugar ao sol como comediante stand-up, mas o público masculino não ri de suas piadas. As três mulheres, forças da natureza, acabam se unindo na tentativa de achar uma solução para a estupidez dominante no país.
O absurdo de se justificar o injustificável é o caminho mais rápido para uma sociedade bestializada, começa-se aplaudindo o vandalismo em manifestações políticas, cuspir no rosto de alguém se torna argumento válido em uma discussão, o extremismo em todas as áreas bloqueia o pensamento lúcido, os bons se calam, vence o medo.
A mulher sofre abuso, mas é coagida a não prestar queixa policial para não ter sua reputação manchada, uma realidade cruel naquele país, não como aqui no Brasil, terra em que estes criminosos são humilhados até nas prisões, aqui o tema é utilizado como estratégia torpe da agenda ideológica da extrema esquerda que, praticando dissonância cognitiva, luta contra a redução da maioridade penal, avaliza ditaduras em Cuba e Venezuela, e não enxerga a cultura da impunidade que favorece a classe política e seus ídolos de barro.
É interessante que o futebol seja utilizado como cenário para o extravasamento da bestialidade, o trio de protagonistas adentra o estádio sabendo que, com a vitória da seleção, os torcedores agredirão as mulheres. Não suporto este esporte, exatamente por já ter visto inúmeras vezes o grau de violência que parece mover grande parte dos fãs, do pai que incentiva o filho pequeno a debochar do colega, ou do idiota que xinga a namorada do torcedor do time adversário, até aqueles que são capazes de espancar uma criança para rasgar sua camiseta, ou pisar no rosto de uma mulher já inconsciente no asfalto, enquanto berram seus cânticos estupidamente tolos em que humilham estranhos.
O toque genial de finalizar com a comédia agindo de forma ferina como instrumento de crítica, a vítima no palco, expondo sua mágoa com um sorriso no rosto, as feridas existenciais abertas, o público gradativamente percebendo que está gargalhando sem motivo algum.
A verdade liberta a comediante, enquanto sua colega decide cortar o cabelo, esconder seu corpo. E aquela que já estava acostumada à clausura, retira o véu e explora as possibilidades estéticas do batom. Não é solução, não existe solução em curto prazo para algo tão arraigado na mentalidade do povo, mas o mais difícil é dar o primeiro passo na direção certa.
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