Críticas

“Ao Rufar dos Tambores”, faroeste impecável de John Ford

Ao Rufar dos Tambores (Drums Along The Mohawk – 1939)

Em 1776, o fazendeiro Gilbert Martin (Henry Fonda) se casa com a refinada Lana Borst (Claudette Colbert) de Albany (Estado de Nova York) e os dois viajam até Deerfield no Vale Mohawk, parte central do Estado e fronteira com o Canadá. Lana sente dificuldade em se adaptar ao lugar, principalmente por temer os índios selvagens, mas decide ficar e ajudar seu marido nos trabalhos da fazenda.

John Ford entregou em 1939 três grandes filmes, “No Tempo das Diligências”, reinventando o faroeste, “A Mocidade de Lincoln”, uma aula de como realizar uma cinebiografia, e, aquele que é normalmente eclipsado pelos citados, “Ao Rufar dos Tambores”, a primeira experiência do diretor com o technicolor e, vale salientar, um dos melhores projetos no tocante ao tema da Revolução Americana.

Gosto especialmente de como o foco se mantém no desenvolvimento dos personagens, não apenas do casal protagonista, com a ação tendo destaque apenas no terceiro ato. Por exemplo, a viúva falastrona vivida por Edna May Oliver, papel que rendeu uma indicação ao Oscar de Atriz Coadjuvante, um elemento que o roteiro inteligentemente vende como alívio cômico, mas que revela camadas mais complexas. Se a sequência de ataque indígena no quarto, com ela se recusando a abandonar sua cama, aponta obviamente para a comédia pastelão, a representação da força libertária da mulher inserida em uma realidade machista é, em vários momentos, mais corajosa e emocionalmente madura que as rasas e infantilizadas heroínas cinematográficas que hoje em dia arrancam aplausos das feministas.

Tome, como exemplo, o arco narrativo de Lana (Colbert), inicialmente uma frágil e mimada filha da alta sociedade que fica apavorada ao ver um índio em sua frente. Ao ser forçada a fugir de sua casa com o marido, vê seus baús de roupas elegantes serem dispensados como peso desnecessário a ser carregado pelo cavalo. E, ao final, sem vaidade, enfrenta os invasores do forte, chegando até a encarar armada um grupo de índios.

A vida na fronteira fez com que ela amadurecesse rápido. Já no amanhecer de uma nova era, com o fim da guerra e a nova bandeira sendo hasteada, Ford celebra os filhos do amanhã, o casal de aventureiros, um ferreiro, uma mulher negra e um índio, todos respeitosamente admirando o gesto patriótico. Em um toque sutil, ao mostrar a negra e o índio, a câmera filma em ângulo baixo, recurso que injeta maior reverência, engrandecendo as figuras que ganham ares míticos, uma atitude, para a época, altamente corajosa.

O conceito da vida em comunidade, com o indivíduo lutando por seu estilo de vida, tema marcante na obra do diretor, retornaria em seu próximo filme, o espetacular “Vinhas da Ira”, lançado no ano seguinte. Gil (Fonda) correndo quarenta e oito quilômetros, perseguido por três índios, para avisar sobre a chegada da companhia de tories e índios ao forte, versão livremente adaptada do histórico feito de Adam Helmer, está entre as sequências mais bonitas da carreira de Ford.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

Recent Posts

Crítica de “O Brutalista”, de Brady Corbet

O Brutalista (The Brutalist - 2024) Arquiteto (Adrien Brody) visionário foge da Europa pós-Segunda Guerra…

5 horas ago

Dica do DTC – “Nazareno Cruz e o Lobo”, de Leonardo Favio

No “Dica do DTC”, a nova seção do “Devo Tudo ao Cinema”, a intenção não…

2 dias ago

Os MELHORES episódios da fascinante série “BABYLON 5”

Babylon 5 (1993-1998) Em meados do século 23, a estação espacial Babylon 5 da Aliança…

3 dias ago

Os 7 MELHORES filmes na carreira do diretor britânico JOHN SCHLESINGER

O conjunto de obra do saudoso diretor britânico John Schlesinger é impressionante, mas selecionei 7…

4 dias ago

PÉROLAS que ACABAM de entrar na NETFLIX

Eu facilitei o seu garimpo cultural, selecionando os melhores filmes dentre aqueles títulos que entraram…

7 dias ago

Crítica de “A Garota da Agulha”, de Magnus von Horn, na MUBI

A Garota da Agulha (Pigen Med Nålen - 2024) Uma jovem (Vic Carmen Sonne) grávida…

1 semana ago