Filme Demência (1986)
Produzida pela Embrafilme, roteiro escrito por Reichenbach e Inácio Araújo, esta pérola ainda é muito pouco comentada entre cinéfilos, o trabalho mais pessoal do diretor, o meu favorito em sua carreira.
Idealizada em tempos de crise nacional, a ideia original teve que ser abortada após cortes no orçamento, e, naquela correria sempre fortuita para a mente criativa, acabou sendo transformada em uma versão para “Fausto”, de Goethe.
Aqueles que enxergavam o diretor limitado pelas convenções rasas das pornochanchadas podem ter considerado uma ousadia pretensiosa beber na fonte literária do autor alemão, mas quem percebia até mesmo em suas incursões pelo erótico o estofo cultural de um apaixonado por cinema, pressentiu que o material estava em boas mãos.
O esperto senso de humor dá o tom na viagem de carro que conduz ao desfecho, reverberando “No Decurso do Tempo” de Wenders e “Morangos Silvestres” de Bergman, com o protagonista (Ênio Gonçalves) acompanhado pela jovem fogosa vivida por Vanessa Alves e pelo Mefistófeles (Emílio Di Biasi) travestido de senhora idosa, uma jornada onírica em que um homem psicologicamente destruído tenta operar um reinício de sistema existencial reencontrando sua persona perdida pela ganância profissional.
Fausto, herdeiro de uma indústria de cigarros, enfrenta a falência empresarial e o irreparável desgaste no relacionamento com sua esposa, dois baques que abalam todas as suas convicções e, emocionalmente, fazem com que ele regrida para o estágio de insegurança infantil, utilizando frequentemente a violência como forma de expressão. Como seu inconsciente afirma, na voz de sua faceta malandra e medrosa, “é deste estado larval que nascem os deuses.”
Em seu passeio pelas ruas do bairro, o caminho percorrido que aprende ser mais importante que o destino, o Éden, uma alucinação dominada pela imagem recorrente de uma menina caminhando na areia da praia, ele acaba participando de sequências surreais como a palestra noturna sobre simbologia, com o professor de lógica sendo eliminado pelo representante patético do estereótipo rockabilly, antes de conseguir iniciar seu argumento.
Nas mãos de diretores sem senso de empatia, estes momentos poderiam se tornar bobagens umbilicais herméticas, mas Reichenbach não forçava uma imagem intelectual, artifício usualmente perceptível em estúpidos reféns da autoafirmação, aqueles que prezam pelo “fingir ser”, ao invés do “ser”.
Sem alma para vender ao diabo, o dinheiro já não vale nada, o romance já não o estimula, como o Leopold Bloom de James Joyce, o homem decide apenas se manter em movimento, a loucura não é uma opção, ele precisa aprender a enfrentar seus medos e aceitar os erros cometidos, a única redenção possível.
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