Mulher-Maravilha (Wonder Woman – 2017)
Treinada desde cedo para ser uma guerreira imbatível, Diana Prince nunca saiu da paradisíaca ilha em que é reconhecida como princesa das Amazonas. Quando o piloto Steve Trevor sofre um acidente e cai em uma praia do local, ela descobre que uma guerra sem precedentes está se espalhando pelo mundo e decide deixar seu lar certa de que pode parar o conflito. Lutando para acabar com a guerra, Diana percebe o alcance de seus poderes e sua verdadeira missão na Terra.
O maior acerto do filme é investir no carisma natural de Gal Gadot, a câmera se apaixona por seu rosto, uma entrega que remete à abordagem despida de cinismo de Christopher Reeve, no clássico “Superman”, de Richard Donner.
Ao invés de apostar na fórmula divertida, caótica e, em longo prazo, irrelevante, dos filmes recentes da Marvel, o roteiro de Allan Heinberg, Zack Snyder e Jason Fuchs, resgata a estrutura narrativa simples da época em que as adaptações de quadrinhos não precisavam ser interligadas. Esta opção faz parecer que estamos vendo algo antiquado, uma pérola perdida da década de noventa, o que combina com o material, a história de origem de uma personagem fundamental na cultura popular, ambientada durante a Primeira Guerra Mundial, a esperança que nasce do conflito sujo de trincheiras.
A diretora Patty Jenkins opta quase sempre por planos fechados, especialmente após o primeiro ato, reflexo de sua inexperiência no gênero, algo que, aliado ao recurso do 3D escurecendo a fotografia, prejudica alguns momentos que poderiam ser grandiosos. O início mostrando a vida das amazonas é impecável, Robin Wright, vivendo a tia guerreira que incentiva o treino da sobrinha, consegue estabelecer em pouco tempo a personalidade forte e amável da personagem, algo que os vilões, com muito mais tempo de cena, são incapazes de fazer.
Sem estragar a experiência, vale ressaltar que o tratamento dado aos antagonistas é patético, o que diminui consideravelmente o impacto desejado pela trama em seu desfecho. Teria sido melhor se tivessem abdicado do terceiro ato e focado na participação da Mulher-Maravilha nos campos de batalha, ao invés de repetirem o molde já muito desgastado de chefe de final de fase de videogame. Aliás, a computação gráfica é tão presente que, de fato, nos minutos finais eu senti como se estivesse segurando um joystick.
Eu pagaria ingresso para ver duas horas da heroína lutando na Terra de Ninguém, cenário para a melhor sequência do filme, o momento em que a realidade do conflito e a simbologia mítica se unem, fortalecidos pelo contexto social do machismo estúpido que permeia a indústria. Mas é importante salientar que o roteiro não cai na armadilha de simplificar o discurso e adotar os clichês feministas, Steve Trevor (Chris Pine) não é, por revide, tratado como interesse romântico, ou alívio cômico. A sua influência é tremenda na evolução de Diana, que descobre um mundo novo e precisa se adaptar rapidamente, enquanto toma para si a responsabilidade de desfazer os males que contaminaram as mentes humanas.
O filme perde muito vigor quando tenta desenvolver a medíocre ameaça, mas se torna irresistivelmente encantador quando se foca no relacionamento que se estabelece entre Diana, Steve e seus companheiros. O texto esperto e ousado discute com humor a representatividade da mulher na sociedade, revelando que, infelizmente, apesar de importantes conquistas, pouco se modificou desde aquela época. É vergonhoso pensar que apenas nos últimos anos a indústria de cinema começou a investir alto em projetos de aventura protagonizados por mulheres. E, pior ainda, dá desgosto perceber que existem feministas tacanhas que reclamam da axila raspada da heroína. O problema está sempre nos extremos, enquanto a lucidez não dominar o discurso, a evolução será lenta e mínima.
“Mulher-Maravilha” é pleno em coração, sintonizado com o espírito original dos quadrinhos e defendido por uma atriz com mais carisma na sobrancelha esquerda, que todo o elenco Marvel e DC reunido.
Cotação:
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