Críticas

Crítica de “Star Wars – Os Últimos Jedi”, de Rian Johnson

Star Wars – Os Últimos Jedi (Star Wars – The Last Jedi – 2017)

Há algo claramente diferente na forma como esta nova trilogia está sendo produzida, não são mais apenas divertidos folhetins espaciais pensados para vender brinquedos nas épocas festivas, agora também abraçam sem rodeios as simbologias, os arquétipos, a mitificação da obra na cultura popular mundial com o objetivo principal de estabelecer um império lucrativo em longo prazo no maior e melhor parque de diversões, em suma, por trás de todas as intenções nobres, o interesse está nas filas que se formarão nas próximas décadas na Disneyland.

A preguiça criativa de “O Despertar da Força” me preocupava, como fã de “Star Wars”, porque evidenciava nitidamente este redirecionamento comportado que desesperadamente evitava qualquer risco. A produtora Kathleen Kennedy optou por caminho mais esperto nesta segunda aventura. Ao entregar a responsabilidade do roteiro e direção a um competente cineasta autoral, Rian Johnson, dos excelentes “A Ponta de Um Crime” e “Looper: Assassinos do Futuro”, o filme encontra uma forma elegante de entregar algo novo e, ainda assim, manter operante a linha de conduta da empresa.

A máquina está bem azeitada, o humor funciona como um relógio suíço, tudo está em seu lugar. Mas e o coração? Se retirarmos da equação o investimento emocional nos personagens clássicos criados por George Lucas, o que sobra simplesmente não se sustenta narrativamente. Analise, por mais fofo que seja o BB-8, essencialmente não passa de uma cópia mais infantilizada do R2-D2, cumprindo a mesma função. Finn, Rey, Poe, Kylo, Rose, Snoke, Maz, nomes simples pensados para a fácil memorização do público infantil, mas que não sobrevivem fora da órbita de Luke, Leia, Han, Yoda, Chewbacca, entre outros.

O próprio desejo coletivo dos fãs de teorizar sobre a origem destes novos nomes, buscando parentesco com os antigos, prova que, por trás do marketing poderoso e dos discursos de representatividade comercialmente atraentes, ainda são vazios. Tome como exemplo dois personagens inseridos nesta nova produção, Vice-Almirante Holdo (Laura Dern) e DJ (Benicio Del Toro). Eles cumprem suas funções, mas são duas incógnitas esteticamente interessantes, o desenvolvimento de suas personalidades é muito mais teórico que prático. Até mesmo a trilha sonora de John Williams reflete este problema estrutural, pela primeira vez na franquia não há sequer um tema novo que se destaque, todos os momentos emocionantes evocam temas antigos.

Dito isto, eu vou agora apontar os preciosos pontos positivos da obra, algo que é impossível fazer sem spoilers, já que estão intrinsecamente conectados às decisões que o roteiro toma após o primeiro ato.

(O parágrafo seguinte irá revelar partes importantes da trama, então sugiro que leia após a sessão)

Outrora, “Star Wars” era uma história sobre a família Skywalker, com o jovem Luke (Mark Hamill) sendo o avatar do seu criador George Walton Lucas Jr., o menino da fazenda de noz em Modesto que sonhava grande. Hoje, toda criança do mundo quer ser Jedi, quer ser especial e viver este sonho. A Disney então decide avançar gradativamente neste terreno fértil, “Os Últimos Jedi” vê germinar as sementes plantadas no esforço anterior. O despertar da Força em Rey (Daisy Ridley) não se explica por herança genética, a jovem descobre ser de origem comum, sem sangue azul, uma pobre coitada que foi vendida por seus pais na infância.

O menino escravo da cidade cassino Canto Bight, assim como o pequeno Anakin de “A Ameaça Fantasma”, também demonstra estar conectado com a Força no belíssimo desfecho. A mensagem é óbvia, as possibilidades agora são infinitas para a franquia. A fagulha de esperança reavivada pela lenda dos Skywalkers injetou na galáxia a coragem de enfrentar o mal em todas as suas interpretações, inclusive com a corajosa adição dos tons de cinza, afastando a saga de suas raízes puramente fantasiosas e tocando a área da crítica política da era Trump. Como a subtrama que acompanha Finn (John Boyega) e Rose (Kelly Marie Tran) mostra, o herói vende arma para o inimigo, a corrupção atinge todos os níveis de poder, nada é seguro, nenhuma vitória é desprovida de dor e culpa.

A resposta está na compreensão de que o importante é a essência, não os rituais, não os dogmas, o ensinamento de Yoda (Frank Oz) ao literalmente queimar os alicerces da religião Jedi é valioso, especialmente nos tempos sombrios em que vivemos, com o perigoso fundamentalismo ganhando cada vez mais espaço no mundo. Kylo/Ben (Adam Driver) é o típico fundamentalista religioso que projeta suas frustrações em frágeis ambições espirituais, uma espécie de Coronel Kurtz (de “Apocalypse Now”) afundado no abismo de seus próprios delírios de grandeza. Seguindo a analogia, vale destacar que nas artes conceituais do filme, o personagem aparece careca. Ao enfrentar seus medos na caverna, Rey enxerga seu próprio rosto, ela aprende que a solução não reside no outro, o futuro será traçado por suas próprias atitudes, logo, a responsabilidade é dela.

Quando pensamos que o público-alvo do filme é infanto-juvenil, o valor desta mensagem se torna ainda mais relevante. Ao final, o sacrifício dos heróis alimenta a brasa da revolta nos olhos do menino escravo, outrora incapaz de se imaginar como elemento importante na sua realidade, a faísca de esperança simbolizada pelos sonhos de aventuras espaciais despertados pela mitologia Jedi, a força interna que o fará atravessar qualquer situação difícil com integridade. Quando o simplório cabo de vassoura se transforma na sua imaginação em um poderoso sabre de luz, o roteiro estabelece que não há Império ou Primeira Ordem capaz de superar a nobreza daqueles que ousam encarar seus desafios sem subterfúgios.

(Fim dos spoilers)

É importante ressaltar o carinho com que o roteiro trabalha a personagem da saudosa Carrie Fisher, a General Leia protagoniza uma das cenas mais bonitas de toda a saga, arrepiante em sua execução. O seu irmão, Luke, é responsável por algumas das cenas mais impactantes do filme, material que não vai sair tão cedo da mente dos fãs. Quando eles não estão em cena, o motor segue funcionando, mas nada soa natural, todos os movimentos são friamente calculados. “Os Últimos Jedi” é um filme emocionalmente eficiente, mas é fundamental enxergar a intensa fragilidade na estrutura.

Se haverá futuro para “Star Wars”, vai depender de como os roteiristas irão se esforçar para dar relevância ao contexto deste universo pós-Retorno de Jedi e, principalmente, agregar camadas no desenvolvimento dos personagens novos.

Cotação:

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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  • Postei sua crítica no Facebook e todos gostaram.

    Aqui vai o meu comentário.

    Agora que a emoção passou e muitos já viram o filme, eu acho que posso fazer uma review mais calma. Eu havia comentado, há dois anos, que estava decepcionado com a situação do trio original. Luke escondido, Solo fracassado, Leia sozinha. A galáxia retornou ao estado de tirania e Kylo se vendeu ao novo sith. Nada disso era o que eu esperava depois daquelas batalhas antigas. Tive a sensação de um vazio.

    A nova trilogia, porém, me agradou com uma jedi mulher, era o que eu sempre quis ver. Mas a forma como ela cresceu na Força era por demais intragável. Os fãs, apesar de tudo, gostaram dos novos personagens e o filme fez muito sucesso, mas mudando as antigas premissas. Não se trata mais de um conto de fadas sem conexão com a vida dura que todos enfrentamos.

    Acho que a Disney percebeu a inutilidade de tentar um resgate daquela inocência dos anos 1970. O mundo moderno é violento e o cinema reflete essa nova cultura. Não há mais espaço para heróis mitológicos. Luke não é mais o jovem otimista e perseverante. Ele agora possui dúvidas e conflitos, deixou de ser um mito para ser um homem.

    A condição caótica da galáxia também reflete o caos do nosso mundo real. O cinema não poderia fugir de mostrar situações compatíveis com a nossa realidade, como se aquela galáxia muito distante fosse uma profunda alienação. As pessoas querem ver fatos e personagens mais realistas, então até uma crítica ao capitalismo foi introduzida.

    Além disso, não há mais escolhidos. As pessoas em geral podem sentir a Força se tiverem disposição e treinamento. Ninguém mais é especial e os jedis sofriam de vaidade porque se achavam os únicos portadores dignos da Força. Além disso, queriam expulsar o lado sombrio de si, negando a condição normal de uma pessoa, que é o equilíbrio entre a luz e as trevas.

    Luke sentiu dolorosamente os erros e foi àquela ilha para morrer. Mas a determinação de Rey o salvou e o levou a retomar a luta do modo como podia. Vimos algo como queríamos, uma grande manifestação de poder e uma morte épica. Mas não vimos um velho sair para combater sozinho uma ordem nazista com um sabre de luz. Isso seria uma volta ao mito.

    Creio que Rogue One definiu o futuro de Guerra nas Estrelas. Serão filmes ainda grandiosos e cheios de lições de vida, mas sem grandes mitologias inocentes e heróis desprovidos de conflitos e dúvidas. Rey sofre existencialmente, mas não se refugia num planeta fora do mapa. Essa é a virtude agora. Sofrer sim, mas não desistir da luta. E, no fim, a aluna ensinou uma lição ao seu mestre; assim como Yoda, acentuando pela primeira vez o valor humano da falha.

    É o que eu espero para as próximas décadas de SW.

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