Críticas

“Viridiana”, de Luis Buñuel

Viridiana (1961)

Às vésperas de ser ordenada freira, Viridiana (Silvia Pinal) passa uns dias na mansão do seu tio (Fernando Rey), que, obcecado com sua beleza, tenta seduzi-la de todas as maneiras. Com a morte repentina dele, desiste da vida religiosa, indo morar na mansão. Movida pelo espírito de caridade cristã, ela abriga e alimenta todos os mendigos da região.

Luis Buñuel executa em “Viridiana” sua crítica mais brutal à hipocrisia da religião organizada, exatamente no momento histórico em que as bases do sistema de governo espanhol eram definidas pela igreja, desconstruindo o véu frágil dos devaneios maniqueístas e dos valores morais erigidos no terreno fértil da ganância por homens que, através do tempo, construíram rituais autofágicos alicerçados em conceitos abstratos, objetivando controle populacional/ideológico e, acima de tudo, poder inconteste, impondo culpa, dor, repressão e submissão ao estabelecer a divisão da natureza humana em dois extremos, o sagrado e o profano.

Ao primeiro sinal de questionamento/dúvida, a protagonista é direcionada por sua superiora no convento ao ato da confissão, instrumento análogo ao cabresto equino, para que conscientemente aceite o enclausuramento, negando metaforicamente o sangue que verte da coroa de espinhos que, mais para frente na trama, será atirada ao fogo.

A jovem ingenuamente pune seus impulsos românticos com a mesma intempestividade tola que conduz o herdeiro da mansão a salvar o cão preso debaixo da charrete, apenas para que, segundos depois, a câmera nos mostre outro cão sofrendo na mesma situação, simbolizando o confronto entre os dogmas religiosos e a dura realidade do mundo, não há sentido em querer ajudar outrem, quando o indivíduo é levado a crer que seu próprio sofrimento é purificador sinônimo de valor.

A sequência mais famosa do filme, o banquete dos mendigos, corajosamente remetendo visualmente à “A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci, potencializa temas que haviam sido trabalhados em cenas menores, como a subversão do papel do leproso bíblico, outrora curado por Jesus, agora, alvo da humilhação constante de seus semelhantes.

Darren Aronofsky, no recente “mãe!”, obviamente inspirado em “Viridiana”, pode ter sido mais implacável e contundente no ataque aos alicerces católicos, mas a pureza estética com que Buñuel retrata a finitude existencial de sua tradicional ideologia é imbatível, a desolação encapsulada no momento final, ao som do pop vazio de uma modernidade rasa, evidenciando a figura patética da mulher que encontrou a amarga liberdade na intensa frustração de sua visão romanceada da caridade, tentando desajeitadamente fazer as pazes com sua volúpia ao aceitar seus sentimentos por seu primo.

Mas, como o roteiro faz questão de apontar no simbólico jogo de cartas, a desilusão faz parte da vida real. Não há respostas fáceis ou justiça fora dos muros religiosos.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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