Críticas

“A Morte de Stalin”, de Armando Iannucci

A Morte de Stalin (The Death of Stalin – 2017)

O roteirista/diretor britânico Armando Iannucci sabe como poucos trabalhar narrativas que envolvam os bastidores da política, tema que usualmente na indústria se torna sinônimo de frieza e tédio, obstáculo que ele resolve inserindo doses generosas de um senso de humor ácido em uma estrutura pensada para o público adulto, algo cada vez mais raro no gênero.

Quem viu o hilário “Conversa Truncada”, de 2009, sabe o potencial do realizador. Ele aborda desta vez, com cinismo ainda maior, o momento histórico da transição entre Stalin e Nikita Kruschev, focando no relacionamento espinhoso entre os membros do comitê responsável pelas medidas imediatas após o falecimento de seu líder, e, mais tarde, definir o nome que irá galgar o degrau hierárquico naquele sistema.

Ao deixar claro desde os primeiros minutos que o terreno já era altamente instável, com os rituais hipocritamente disfarçando a rivalidade entre aqueles homens, vividos com extrema competência por artistas do calibre de Jeffrey Tambor, Jason Isaacs, Steve Buscemi, Simon Russell Beale e o eterno “Monty Python” Michael Palin, o roteiro desarma o espectador de qualquer expectativa, facilitando a imersão plena no registro que, apesar de intensamente surreal no tom, parece totalmente provável.

O conceito, aliás, exatamente por fazer uso destes personagens e de situações que realmente aconteceram, como a ausência de médicos no atendimento do ditador, já que o próprio havia mandado prender todos por suspeita de tentativa de envenenamento, afirma que nenhum roteirista de comédia seria capaz de criar algo tão louco, medonho e bizarro quanto a própria realidade.

O diretor, por exemplo, realça comicamente os absurdos cometidos por Beria (Beale), o ministro da segurança da União Soviética, como o abuso de prisioneiras, inclusive menores de idade, sem precisar fazer humor rasteiro com a desgraça, ele simplesmente salienta na sátira o quão doente e cruel pode ser uma pessoa movida pela sede inconsequente de poder e inserida em um regime que favorece estes impulsos.

Várias sequências merecem destaque, como aquela em que Stalin (Adrian McLoughlin), após praticamente retornar à vida, tenta se comunicar gestualmente com dificuldade e sua equipe desesperadamente encontra os significados mais imbecis para sua ação.

É brilhante também o momento afinado no diapasão do pastelão, ambientado na reunião solene em que todos demonstram tremenda insegurança, até mesmo o novo líder, Malenkov (Tambor), que muda de ideia várias vezes durante a breve exposição do argumento de um de seus comandados, levantando e abaixando timidamente o braço.

Esta característica de profunda insegurança do personagem é trabalhada com inteligência pela figurinista Suzie Harman, com roupas que potencializam o desconforto que o ator exibe constantemente no rosto, agregando muito à sua caricatura infantilizada.

O desfecho genial em sua simplicidade reforça que o comunismo é, por natureza, um mata-mata entre peões sem escrúpulos no tabuleiro. Não há glória, nem status duradouro, apenas competidores rasos e desleais que farão de tudo para alcançarem seus objetivos por trás dos panos.

Desta feita, “A Morte de Stalin”, apesar de ser uma comédia, pode ser considerada obra de considerável relevância crítica, com muito mais coragem do que seus similares que se levam a sério. Um dos melhores filmes do ano!

Cotação: 

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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