Séries

Crítica nostálgica da clássica série “A Família Addams” (1964-1966)

A Família Addams (The Addams Family)

Nestes tempos atuais de tão insuportável patrulha do politicamente correto, com jovens amedrontados e adultos infantilizados, absurdo apocalíptico que facilita tremendamente a manipulação política, nada melhor que passar algumas horas de intenso prazer na companhia da criação imortal do cartunista Charles Addams.

Criada em 1938 como desenhos cômicos de painel único no The New Yorker, “A Família Addams” representava exatamente o antídoto para este conformismo existencial que padroniza os indivíduos em pessoas boas e más, sem tons de cinza, uma alta dose de humor negro, material que, hoje em dia, provavelmente levaria o seu criador a ser apedrejado em praça pública. Apesar de suas preferências macabras, a família se amava, mostrando que havia opção positiva para o que era considerado “normal”, estabelecendo uma sátira perfeita ao “american way of life”.

Mas o grande trunfo foi a sua adaptação televisiva, criada por David Levy e produzida pelo grande Nat Perrin, que anteriormente havia escrito para “Os Irmãos Marx”, entretenimento pensado para adultos e crianças.

“A Família Addams”, do cartunista Charles Addams.

Gomez (John Astin) é o chefe da família, um homem extremamente rico, incapaz de negar algo à sua cadavérica esposa Morticia (Carolyn Jones). Vandinha (Lisa Loring), filha do casal, é uma menina sádica que nunca sorri. O seu irmão Feioso (Ken Weathervax) é a vítima frequente e satisfeita de suas torturas.

Na mansão mal-assombrada ainda moram a Vovó Addams (Blossom Rock), especialista em atirar dardos, e o Tio Chico (Jackie Coogan, o garoto do clássico mudo de Charles Chaplin), apaixonado por explosivos. O mordomo pianista Tropeço (Ted Cassidy), a adorável Mãozinha e o Primo Coisa (Felix Silla), personagem indecifrável escondido por uma cabeleira impressionante, além de bichinhos de estimação como abutres, um leão medroso e um polvo, completam o inesquecível elenco.

O ator John Astin (para os mais novos, o pai de Sean, o hobbit “Sam” de “O Senhor dos Anéis”) lutou contra a ideia original dos produtores, que desejavam extrema fidelidade com o traço original, um corte de cabelo que enfeiaria demais o patriarca Gomez. Ele acreditava que precisava se manter charmoso, atraente, para que o relacionamento amoroso com Morticia (Carolyn Jones) funcionasse com o público, tremendo acerto, já que a interação entre eles (química facilitada pela amizade sincera na vida real), o jogo de sedução envolvendo eventuais passos de dança e muitos beijinhos no braço da musa, acabou se tornando um dos elementos mais facilmente identificáveis na série, junto com a música-tema composta por Vic Mizzy, o estalar dos dedos emoldurando os créditos de abertura com as pessoas mais desconfortáveis possíveis na situação.

Vale ressaltar que a passionalidade do casal era algo arriscado na época, ousado demais em comparação com relacionamentos similares em outras séries, em que simplesmente não havia qualquer insinuação de que os personagens mantinham relacionamento íntimo.

É encantador ver em episódios da primeira temporada, como “The Addams Family Goes to School”, o eficiente piloto, “Morticia and the Psychiatrist”, aquele em que o filho escandaliza os pais ao desejar se tornar escoteiro, ou o hilário “Halloween With the Addams Family”, com a participação especial do comediante Don Rickles e cenas inesquecíveis, como as duas crianças fantasiadas como caricaturas de “pessoas normais”, a evolução do conceito que seria melhor trabalhado no ano seguinte, em episódios como “The Addams Policy”, “Gomez, the People’s Choice”, crítica deliciosa ao sistema político, e “Morticia, the Decorator”.

Cancelada abruptamente após 64 episódios, duas temporadas de muito sucesso, competindo com “Os Monstros” (similar em tema, mas tonalmente direcionada para crianças) e, no ano final, com as cores berrantes de “Batman”, a série continua divertida após todos estes anos. Em revisão, para a preparação deste texto, pude comprovar até sua eficiência com o público infantil, meu casal de afilhados (13 e 10 anos), a mais nova ficou até estalando os dedos pela casa, cantarolando o tema.

Raros são os produtos televisivos do período que sobreviveram tão bem ao cruel teste do tempo.

Cotação: 

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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