É curioso e fascinante como o cinema reproduz o espírito de cada época. O advento da pílula anticoncepcional em 1960 deu início à fase sexualmente libertária no mundo, a sétima arte respondeu com personagens mulherengos como James Bond e filmes como “O Que é Que Há, Gatinha?”, “Entre Deus e o Pecado”, o britânico “A Tortura do Medo”, o espanhol “Viridiana”, o asiático “Hanyo, a Empregada” ou o italiano “A Doce Vida”, obras que exibem uma postura revolucionária neste sentido.
Alguns anos depois, a morte de Martin Luther King, a Guerra do Vietnã e o escândalo do Watergate abalaram a sociedade norte-americana, a desesperança tomou conta da indústria, a moda passou a ser os “downers”, filmes sem finais felizes, tramas que conscientemente buscavam satisfazer o masoquismo do público, algo criativamente instigante. Como exemplo, basta analisar a quantidade considerável de filmes-catástrofe lançados entre 1972 e 1979, títulos como “O Destino de Poseidon”, “Terremoto”, “Inferno na Torre”, “Avalanche”, “Aeroporto 75” e “O Dirigível Hindenburg”. A pessoa pagava o ingresso para sofrer.
No período do início da década de setenta a televisão dominava a atenção das pessoas, os grandes estúdios de Hollywood perderam força e jovens cineastas independentes, incentivados pelos críticos franceses, aproveitaram a chance, as possibilidades eram infinitas, qualquer conceito valia o risco, logo, filmes incrivelmente ousados (que jamais seria cogitados na década anterior) como “Johnny Vai à Guerra” (um soldado incapaz de se comunicar, sem os membros, numa cama de hospital), “Operação França” (o vilão “vence” no desfecho), “Amargo Pesadelo” (o estupro do personagem de Ned Beatty na floresta), “O Exorcista” (uma criança possuída pelo demônio e se masturbando com um crucifixo), ou teoricamente com pouco potencial comercial, como “Cada Um Vive Como Quer”, “Laranja Mecânica”, “Ânsia de Amar” e “O Poderoso Chefão” receberam sinal verde.
Este cenário atípico possibilitou a abertura de uma lacuna emocional que seria preenchida inteligentemente em 1976 por “Rocky – Um Lutador” e, no ano seguinte, “Guerra nas Estrelas”, produções que empolgavam plateias de todas as idades, as pessoas deixavam as salas com um sorriso no rosto. E, claro, como uma droga, aquela sensação, aquele “barato” precisava ser repetido, por conseguinte, o sucesso nas bilheterias foi impressionante.
Hoje, 2018, o lucrativo em Hollywood é apostar em super-heróis, simbolizando infantilização comportamental. O público-alvo é o adolescente, os adultos preferem ficar em casa, os roteiros das séries televisivas se mostram mais intelectualmente instigantes. Da mesma forma que a música brasileira teve seu auge criativo no período de maior repressão, o cinema parece ter mais a dizer quando é desafiado, quando é tolhido. O conforto não é um aliado criativo generoso.
Talvez esta situação atual artisticamente rasa, no cinema e na música, no Brasil e no mundo, seja um reflexo cristalino da apatia existencial da sociedade.
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