Críticas

“Hannah Arendt – Ideias Que Chocaram o Mundo”, de Margarethe von Trotta

Hannah Arendt – Ideias que Chocaram o Mundo (Hannah Arendt – 2012)

A filósofa judia Hannah Arendt e o marido fogem de campo de concentração alemão e se refugiam na América. Anos mais tarde, ela é convidada para cobrir o julgamento de Adolf Eichmann e escreve reportagens sobre o envolvimento de alemães e judeus na guerra.

De tudo que li de Hannah Arendt, “Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a Banalidade do Mal” e “As Origens do Totalitarismo” são fundamentais, mas também recomendo a leitura de “Rahel Varnhagen – A vida de uma judia alemã na época do Romantismo”, que adquiri anos atrás em um dos meus garimpos nos sebos, biografia escrita após terminar a revisão de sua tese de doutorado, iniciada em 1933, quando ela ainda estava na Alemanha, interrompida por causa da migração para a França, retomada e concluída em 1938, mas publicada apenas em 1957.

“Ninguém que aprende a pensar pode voltar a obedecer como antes, não por ter um espírito rebelde, mas pelo hábito agora adquirido de questionar e examinar tudo.” (Hannah Arendt)

É fascinante perceber no contexto da obra como os dramas existenciais da biografada tocavam fundo nos anseios da jovem autora, as duas no mesmo dilema, entre a assimilação e a posição de pária, lutando para definir sua identidade judaica. Foi durante suas visitas à Biblioteca Estatal Prussiana, onde encontrava as fontes primárias para o trabalho, que ela coletou, a pedido do movimento sionista, manifestos anti-semitas do novo governo alemão.

O filme, melhor saboreado por aqueles já iniciados na obra de Arendt, aborda com riqueza de detalhes a cobertura do julgamento de Otto Adolf Eichmann, um dos principais organizadores do Holocausto, o processo criativo de escrita dos artigos polêmicos que apontavam a cumplicidade das lideranças judaicas com os alemães, crítica que a fez quase ser expulsa da faculdade em que lecionava, além da recepção do trabalho pela opinião pública.

Ao constatar surpresa que o monstro capaz de atos tão horrendos era, de fato, um soldado fragilizado comum que cumpria ordens, ela estabelece o conceito da banalidade do mal. No mundo real, muito diferente das caricaturas sem tons de cinza das revistas em quadrinhos, indivíduos comuns, sem voz na multidão, frustrados em vários sentidos, podem se sentir seduzidos por discursos tortos.

A estrutura do roteiro de Trotta e Pam Katz é excessivamente didática no primeiro ato, o que prejudica um pouco o ritmo da obra, que tende à dispersão com frequência, mas quando se foca nos argumentos da protagonista, vivida brilhantemente por Barbara Sukowa, o projeto ganha uma energia considerável.

Há mérito em evitar reduzir a complexidade do tema a uma fórmula narrativamente mais comercial, assim como na caracterização lúcida de Arendt, sem imprimir nela rótulos de superioridade, sem trilha sonora emocionalmente manipuladora, apresentando-a já estabelecida profissionalmente, com o figurino, sempre em tons pálidos, facilitando ainda mais a compreensão do público de que ela não é uma heroína a ser celebrada, apenas uma mulher que lutou por suas convicções.

A câmera usualmente capta ela sozinha no enquadramento, fumando, refletindo, opção estética que reforça o seu isolamento metafórico e literal, salientando as nuances de seu conflito interno.

Sem a pretensão de formular respostas para o público, ou promover catarse emocional, o filme conscientemente prefere incitar o questionamento, respeitando a interpretação de cada espectador ao final da sessão, decisão coerente à função de Hannah Arendt na sociedade.

Cotação: 

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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