Críticas

“Papillon”, de Franklin J. Schaffner

Papillon (1973)

Na década de 30, Papillon (Steve McQueen) foi injustamente mandado para cumprir prisão perpétua na Guiana Francesa. As regras da prisão são claras: Qualquer um que tentar fugir ganhará como punição dois anos de solitária. Isso não é o bastante para assustar Papillon, que vai tentar fugir de qualquer maneira com a ajuda de Louis Dega (Dustin Hoffman). Em uma das vezes ele quase consegue e vai parar inicialmente em uma colônia de hansenianos e depois em uma tribo de índios caribenhos, até chegar na Ilha do Diabo. Adaptação do livro autobiográfico homônimo de Henri Charrière. 

A forma conscientemente antinatural com que a câmera registra a primeira cena do filme, mostrando a chegada e o discurso do chefe do presídio, aliada à frieza com que o título é apresentado, transmite imediatamente o senso de isolamento, solidão, que é a força-motriz da obra. Cada corte aproximando mais a figura de autoridade, até alcançar um close-up em que o homem olha diretamente para o espectador, reforçando ainda mais a proposta imersiva do diretor Franklin J. Schaffner.

Ao contrário da refilmagem lançada recentemente, o roteiro de Dalton Trumbo e Lorenzo Semple Jr. opta por não apresentar o protagonista em sua vida como homem livre, evitando estabelecer empatia. Encontramos Papillon já despido de sua individualidade, trajando uniforme e caminhando com seus colegas rumo ao inferno.

Uma jovem tenta atrair sua atenção na multidão, diz que ele irá voltar, mas seu rosto permanece sem emoção, o prisioneiro ao lado decreta sem pensar duas vezes: “não volta não”. Ao permitir que o espectador vá formando ao longo da trama o esqueleto de sua personalidade, com o auxílio de pequenas pistas, como a linda trilha sonora valseada de Jerry Goldsmith que exala a nobreza perdida, o filme evidencia que o processo, a jornada, é mais importante que o destino.

Não se trata de fugir da prisão, mas de forjar corajosamente a couraça emocional e psicológica para sobreviver aos castigos, transcendendo os limites físicos. A pior prisão é interna. O frágil Dega representa alegoricamente o espectador, alguém que, após prejudicar desastradamente algumas tentativas de fuga do amigo, acaba aceitando viver com sua culpa, filosoficamente com medo de abandonar a caverna de Platão.

Falsificador, metaforicamente costuma adaptar a realidade à sua conveniência, ao invés de enfrentá-la de peito aberto. Ele, ajudado pela atuação brilhante de Hoffman, com a postura corporal de uma ratazana, simboliza o comportamento humano mais facilmente identificável, alguém que precisa ser protegido e que, ao final, na inesquecível sequência à beira do penhasco, demonstra incredulidade e profunda admiração pela coragem do amigo.

Papillon se torna o übermensch nietzschiano, a sua origem como ladrão de cofres indica transgressão. A frase icônica que ele diz enquanto é levado pelas ondas, “Bastardos, AINDA estou aqui”, provoca a bem-vinda catarse emotiva e reafirma o leitmotiv, a sua atitude mais importante foi ter resistido bravamente no longo e extenuante calvário.

Nos créditos finais, imagens reais da prisão na Guiana Francesa à época das filmagens, abandonada, destruída, tomada pela natureza. O homem, contra todas as probabilidades, venceu o sistema.

Cotação: 

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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