Críticas

“Sadece Sen”, um lindo romance turco que você precisa assistir!

Sadece Sen (2014)

Um ex-boxeador se apaixona por uma mulher cega e começa a construir uma nova vida, mas seu passado conturbado ameaça a vida do casal.

O ser humano é estruturalmente frágil, busca ser identificado publicamente como membro de uma casta superior. No mundo da música, os cantores românticos de abordagem mais direta, pungente, são reduzidos a rótulos depreciativos, como “brega”, enquanto aqueles mais inseguros intelectualmente, que conscientemente dificultam o discurso, quase sempre dizendo as mesmas coisas com palavras diferentes, costumam ser aplaudidos como gênios, nomes que os pseudointelectuais da elite rastaquera nacional podem afirmar respeitar sem medo nas rodinhas boêmias. No mundo do cinema ocorre o mesmo, acadêmicos da crítica valorizam aquele cineasta umbilical que filma por dez minutos uma árvore de cabeça para baixo, enxergando significado até na folha torta ou no galho quebrado, enquanto desprezam o diretor que fala diretamente ao coração do público, sem floreios, aquele que estabelece com facilidade a comunicação com o espectador.

É desta divisão equivocada e alimentada pela desonestidade intelectual que nasce o terrível rótulo “filme de arte”. Toda obra é artística em essência, o resultado dos esforços de vários profissionais dedicados e apaixonados. “Sadece Sen” é o exemplo perfeito de um filme que é desprezado pelos acadêmicos, tido como manipulativo e excessivamente melodramático. Se você seguir esta linha de raciocínio, vai perder uma linda e delicada história de amor, com várias camadas de interpretação, sutis metáforas, uma fotografia deslumbrante de Soykut Turan e um elenco extremamente competente e carismático, com destaque para o casal protagonista, a belíssima Belçim Bilgin (Hazal) e Ibrahim Celikkol (Ali).

Dirigido por Hakan Yonat, o roteiro de Ceren Aslan e Asli Zengin, baseado no sul-coreano “O-jik geu-dae-man”, de 2011, vale salientar, um dos raros casos de refilmagem superior ao original, pode ser considerado uma mistura exótica do clássico “Luzes da Cidade”, de Chaplin, e “Leão Branco – O Lutador Sem Lei”, veículo da fase inicial do belga Van Damme, informação que, com certeza, já aguçou sua curiosidade.

A rotina da jovem Hazal é uma espécie de autopunição, já que ela se considera responsável pelo falecimento dos pais em um acidente de automóvel. A única sobrevivente, perdeu sua visão e seu impulso vital, tropeça constantemente em uma casa que não foi adaptada para suas necessidades, vítima do assédio de seu chefe no trabalho e, principalmente, incapaz de se defender, não tanto pelas limitações físicas, mas por uma trava psicológica que alimenta sua culpa. Ao levar a marmita do tio no estacionamento noturno, ela conhece o silencioso Ali, uma figura que exibe na postura corporal, sempre curvado, o peso que carrega nos ombros por seu passado sombrio. Os olhos tristes e o semblante fechado não são convites para o afeto. Como ela não o enxerga, não há medo, logo, não há preconceito, o som da voz, que transmite insegurança, passa a ser o único elemento definidor do caráter dele.

Os dois, ao longo de várias noites, vão formando uma amizade sincera que acaba sendo levada para fora daquele ambiente claustrofóbico, metáfora visual poética que evidencia como os dois internamente estavam aprisionados. A trilha sonora de Yildiray Gürgen potencializa esta mudança externa e interna nos temas que emolduram sequências lindas no segundo ato, como o idílico namoro no balanço preso à árvore de galhos secos no mar, momento que irá rimar visualmente com o desfecho, simbolizando no intenso verde do cenário a transformação dos personagens, o desabrochar dos dois em todos os sentidos. E, detalhe muito bonito que pode passar despercebido, o balanço ainda está lá, ao fundo na cena, representando a importância de se manter vivas as memórias boas e ruins, não ter medo das cicatrizes emocionais, fundamentais no processo de aprendizado e amadurecimento.

“Sadece Sen” é pura ternura, do gesto sutil de Ali, ao tentar respeitosamente impedir que a jovem se dispa na sua frente, ao carinho com que ele venda os próprios olhos na intenção de sentir na pele a dificuldade dela na casa, o filme trabalha conceitos humanistas que precisam ser resgatados urgentemente em nossa sociedade.

Cotação: 

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

View Comments

  • Sadece Sen é lindo.Amei tudo,fotografia,músicas, interpretações dos atores.Enfim um filme que emociona e te faz refletir.Precisamos resgatar realmente valores humanistas.

  • eu amo esse filme...e amo esses 2 atores juntos...fico impressionada como o ator consegue transmitir tantos sentimentos pela expressão do rosto...

    • Já tinha ficado impressionado com sua expressão corporal na série Intersection, que excelente ator. Um filme com basicamente 2 atores consegue nos prender . Muitas séries e bons filmes turcos

  • Amei essa sua resenha Octavio
    Caruso falou tudo amei esse filme simples direto e belo que toca nossos corações com uma sutileza incrível esses peseudos intelectuais costumam desprezar e denegrir esse tipo de filme por serem simples e direto e enaltecer aqueles que não são bem aceito pelo povo por que para eles o povão são desprovidos de inteligência para enxergar arte em um galho quebrado pela natureza e muitas vezes esses filmes tidos como obras de arte são muito chatos e cansativos mas claro que existem os bons de verdade mas romantismo para mim não é sinônimo de "brega" e sim de sensibilidade claro que existem os exageros mas Sadece Sen eu amei só não consegui assistir o coreano depois desse.

  • O melhor romance que já assisti na minha vida! E olha que sou romancista incurável. Quando acabou pensei, nossa como eu queria ter o livro dessa história! É perfeito! O ator é surpreendente, cada expressão!

  • Adorei o filme...da vontade de não parar de assistir de tão envolvente é a história. Parabéns para os filmes turcos e excelente atuação dos atores.

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