Festa (1989)
Um músico (Jorge Mautner), um jogador de sinuca (Adriano Stuart) e seu assistente (Antonio Abujamra) são contratados para animar uma festa luxuosa no segundo andar de uma mansão. Os três permanecem horas no salão inferior aguardando o momento de mostrar seus talentos.
A minha memória afetiva me garante que vi este filme pela primeira vez em uma sessão noturna televisiva em meados da década de noventa, provavelmente na TV Bandeirantes.
Algumas cenas ficaram na cabeça, como a reação explosiva do personagem vivido por Antônio Abujamra ao descobrir que havia um cachorro enorme preso no banheiro, o alongamento inesperado de Mautner que evolui para uma exibição absurda de tai chi chuan, ou a frase dele ao usar uma folha de um guia de vídeos para adultos no sapato para tapar o buraco na meia, “com toda esta sacanagem, o meu pé vai ficar quentinho”, mas o que mais me agradou foi o clima da obra, toda ambientada no salão inferior da mansão durante a noite da festa. O conceito, por si só, já é muito divertido. Os três contratados logo percebem que estão completamente avulsos na história e passam o tempo todo escondendo os copos de whisky, já que foram proibidos de beber as garrafas da casa.
A referência mais clara está no título, que remete ao “The Party” (no Brasil, “Um Convidado Bem Trapalhão”), parceria inesquecível de Blake Edwards e Peter Sellers, mas há também o aceno carinhoso à comédia muda na composição visual de Jorge Mautner, que emula Stan Laurel. Como esquecer a breve e brilhante participação de Ney Latorraca como o estereótipo do ator deslumbrado e decadente, ensaiando seu discurso melodramático e politiqueiro para os três (representando a insignificância deles para o mesmo), segundos antes de repetir o texto para o senador fora de cena?
Aliás, vale salientar outro segmento hilário, protagonizado por José Lewgoy, como um convidado elegante em avançado grau de bebedeira. Gosto bastante também do longo monólogo de Mautner sobre a importância da gaita cromática na história do mundo, pouco antes de engatar catarticamente em um solo no instrumento, enquanto uma turba barulhenta adentra o salão sem o menor respeito pelos profissionais que estavam lá pagos para garantir o entretenimento.
A metáfora é simples e poderosa, o local é um microcosmo que simboliza a nação, o dono da festa até tenta enaltecer o talento do mestre da sinuca, mas ninguém escuta, entorpecidos em seus próprios egos inflados, seguram os tacos sem qualquer apreço pelo jogo, comandados pela escandalosa socialite vivida pela linda Patricia Pillar, aquilo para a multidão imediatista é apenas um passatempo pueril. Os empregados passam carregando o lixo deixado para longe do campo de visão dos endinheirados, tudo para manter a frágil aparência de pureza. E, quando nada parecia poder piorar a situação, uma marchinha de Carnaval começa a tocar, fase de alienação máxima da sociedade.
Ao final da festa, já de manhã, o pagamento pelos serviços não utilizados é feito com intenso desprezo, tido como “dinheiro maldito” pelo mordomo (Otávio Augusto) do contratante. Os três lentamente se dirigem para a saída, apenas para constatarem surpresos que a chuva forte praticamente os obriga à permanência por mais algum tempo. É brilhante a forma como o enquadramento isola as três figuras, com o escurecer do salão atrás, como se estivessem em um limbo existencial.
Uma pérola do cinema brasileiro que levou vários prêmios no Festival de Gramado (filme, roteiro, figurino, edição de som e ator, para Abujamra e Stuart) merece ser redescoberta pela nova geração.
Cotação:
Jurado Nº 2 (Juror #2 - 2024) Pai (Nicholas Hoult) de família serve como jurado…
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