Rastros de Ódio (The Searchers – 1956)
O veterano da Guerra Civil Ethan Edwards (John Wayne) chega ao Texas em 1868 e encontra o seu irmão e a família dele. No dia seguinte, Comanches invadem o rancho, eliminam o seu irmão e Martha, a esposa dele, e levam as duas filhas do casal. Ethan parte então em uma busca junto com o companheiro Martin (Jeffrey Hunter), um mestiço.
“O que faz um homem vagar sem rumo? O que faz um homem abandonar sua cama e virar as costas para seu lar? Ele vai buscar seu coração e alma lá fora. A sua paz de espírito que ele sabe que vai encontrar. Mas onde, senhor, onde?” (Música-tema composta por Stan Jones, cantada por “The Sons of the Pioneers”)
Adaptado do romance homônimo de Alan Le May, lançado em 1954, “Rastros de Ódio” foi livremente inspirado em um caso real, envolvendo uma jovem garota branca no Texas que foi levada por Comanches em 1836. Com exceção da troca do nome do protagonista, de Amos para Ethan, o roteiro segue com relativa fidelidade a trama.
Vários pontos fortes merecem ser salientados. As competentes elipses no roteiro de Frank S. Nugent; a fotografia deslumbrante de Winton Hoch captando a grandiosidade de Monument Valley no épico VistaVision; a trilha sonora emocionante de Max Steiner; a consciente opção de não glamourizar a violência, desviando o olhar nas cenas mais intensas, deixando que o impacto sensorial seja ditado pela montagem.
A utilização poética de rimas visuais é outro ponto importante, como as celebradas sequências inicial e final, com a câmera em primeira pessoa diante da porta de entrada, aparentemente segura no conforto do lar, porém, totalmente vulnerável à selvageria externa, ou a delicada maneira com que Ethan acarinha sua pequena sobrinha no início do filme, levantando-a no ar acima de sua cabeça, gesto que se repete ressignificado nos momentos finais. O filme é impecável!
Ethan atirou nos olhos de um índio já enterrado, apenas para agregar a humilhação de desrespeitar seus preceitos religiosos, garantindo que, pelas crenças do pele-vermelha, ele jamais alcance seus deuses. Sem pensar duas vezes, ele descarrega sua munição em búfalos indefesos, afirmando que deseja que os índios passem fome até o fim. Ele também chega a tirar o escalpo do chefe “Cicatriz” (Henry Brandon), apenas pelo prazer do ato, já que a missão havia sido cumprida. Ele não é um herói.
Não há redenção em seu horizonte, a porta se fecha para ele ao final, o simbolismo é claro, a solidão é a única resposta de quem escolheu o caminho da intolerância, alguém que foi capaz de cogitar tirar a vida de uma menina que viu nascer (Natalie Wood), por puro ódio racial, por acreditar que a pureza dela havia sido contaminada pela convivência com os índios.
E, analisando uma camada de interpretação menos óbvia do roteiro, pode-se teorizar que ele acredite que a menina é sua filha, já que há uma insinuação evidente nas sequências iniciais de Ethan com sua cunhada (Dorothy Jordan), algo que potencializa ainda mais os seus sentimentos ambíguos na jornada.
Ao levar em consideração este tom incrivelmente sombrio e desesperançado, vale destacar a importância dos pontuais alívios cômicos, muito bem trabalhados, sempre inseridos organicamente na narrativa, em cenas como o desajeitado duelo pelo amor de Laurie (Vera Miles), que estava prestes a se casar, ou o relacionamento forçado entre Martin e uma índia solteirona que ele, sem querer, acaba comprando ao negociar com a tribo.
O verdadeiro herói da história é o mestiço que, apesar de pouco experiente e sofrendo abuso psicológico, abdica de uma vida tranquila e da companhia da mulher que ama, para acompanhar o pistoleiro na perigosa missão que acaba durando longos cinco anos.
À época de sua estreia, além da inegável qualidade técnica da obra, o tema expunha uma ferida na sociedade norte-americana, demonstrando a coragem do diretor John Ford.
O protagonista deixou o amor falar mais alto que seu preconceito, ele amadureceu em sua jornada, superando o ódio alimentado desde que viu sua mãe ser eliminada por Comanches, detalhe sutilmente revelado em uma cena em que sua sepultura é mostrada.
No mundo real, principalmente nos rincões sulistas, ainda havia a absurda separação de banheiros para brancos e negros. Apenas oito anos depois é que a segregação racial institucionalizada foi proibida por lei.
Cotação:
Trilha sonora composta por Max Steiner:
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