Críticas

Crítica de “Assunto de Família”, de Hirokazu Koreeda

Assunto de Família (Manbiki Kazoku – 2018)

Depois de uma de suas sessões de furtos, Osamu (Lily Franky) e seu filho se deparam com uma garotinha. A princípio eles relutam em abrigar a menina, mas Nobuyo (Sakura Ando), a esposa de Osamu, concorda em cuidar dela depois de saber das dificuldades que a jovem enfrenta. Embora a família seja pobre e mal ganhe dinheiro com os pequenos crimes que cometem, eles parecem viver felizes juntos até que um incidente revela segredos, testando os laços que os unem.

O japonês Hirokazu Koreeda é um dos mais consistentes diretores em atividade, filmes como “A Luz da Ilusão”, “Depois da Vida”, “Ninguém Pode Saber”, “Nossa Irmã Mais Nova”, “Andando” e “Pais e Filhos”, comprovam um talento raro em trabalhar a profunda emoção sem apelar para convenções, nunca resvalando no melodrama pueril. Até mesmo em projetos menores, como “Boneca Inflável” e “Tão Distante”, ele alcança um resultado acima da média.

“Assunto de Família”, da leveza ilusória no início, conquistando o espectador aos poucos, até os seus arrebatadores trinta minutos finais, merece aplausos de pé, simplesmente o melhor filme dele até o momento.

O leitmotiv do roteiro é recorrente na carreira do diretor, a complexa questão: O que faz uma família? O sangue nos torna parentes, mas a lealdade nos faz família. Há rara complexidade na discussão que propõe, já que insere o núcleo familiar em um terreno de ilegalidade, adultos e crianças que vivem em condições miseráveis e praticam furtos.

A câmera testemunha a cumplicidade e o carinho entre eles durante uma alegre manhã na praia, com a figura paterna demonstrando desenvoltura louvável ao elucidar as dúvidas naturais do menino na primeira fase da puberdade. Não há crueldade em seus atos, os únicos elementos violentos na trama são aqueles que representam as bases tradicionais da sociedade.

Na cena mais linda, a figura materna, vivida impecavelmente por Sakura Ando, e a menina, doce Miyu Sasaki, duas mulheres forjadas pela dor e pelo abandono, admiradas de perto por seus entes queridos, simbolicamente queimam as lembranças ruins e encontram, no acolhedor toque das lágrimas, um sentido doce para aquela existência marginalizada. Como a história evidenciará mais para a frente, as alternativas de vida, apesar de legalizadas e socialmente aceitáveis, não poderiam ser mais desoladoras e desprovidas de empatia.

É neste ponto espinhoso que Koreeda analisa uma ferida aberta neste tecnológico mundo moderno, em que muitos parecem se importar mais com a imagem que divulgam nas redes sociais, os pilares na formação de um indivíduo psicologicamente saudável.

Será que os pais compreendem que fornecer escola, moradia confortável e comida na mesa não é suficiente? E que babás virtuais jamais substituirão a ternura de uma leitura para a criança ao pé do ouvido? A parentalidade responsável envolve atenção sincera, comprometimento afetivo, atitude que não requer dinheiro ou um bom status social, apenas amor.

Sem revelar muito, respeitando a sua experiência sensorial, o brilhantismo da imagem final salienta a importância fundamental de evitarmos julgamentos morais, atitude sempre alimentada pelo distanciamento arrogante, pela falta de vontade de entender o outro, reduzindo os alvos à caricaturas desprovidas de alma, atravessando tranquilamente o atalho desprezível do ódio.

“Assunto de Família” é intensamente humanista, desde já, um dos melhores filmes do ano.

Cotação: 

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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