Se você deseja ler uma análise minuciosa, vai se frustrar terrivelmente, busque a lista completa de vencedores no Google, eu sou crítico de cinema, amo esta arte, não consigo levar a sério esta premiação televisiva que, a cada ano que passa, se torna mais artisticamente irrelevante, dominada pelo lobby e pela politicagem escancarada. É como o Grammy atualmente para quem realmente aprecia música, uma festa imediatista, insuportável.
Este “Melhores do Ano do Faustão” hollywoodiano realizou um feito considerável desta vez, não posso negar, conseguiu ser mais chato que o nosso “Grande Prêmio do Cinema Brasileiro”. Eles tentaram nos ludibriar, decidindo começar de forma apoteótica com uma apresentação da banda Queen, mas nem o desfibrilador mais avançado conseguiria reanimar segundos depois o moribundo espetáculo.
Se a cerimônia fosse um filme, ele se chamaria: “The Oscars – Viu Como Nós Não Somos Racistas?”. Sabe quando aquele seu primo bêbado é repreendido na ceia de Natal por piadas grosseiras e, no ano seguinte, ele reaparece radicalmente mudado, sóbrio, afirmando que se converteu, que aceitou Jesus como seu salvador? Agora ele fala baixinho, sereno, não mete um palavrão na frase nem se der uma topada na quina da estante. O papo debochado de todo mundo na volta é a indisfarçável forçação de barra do rapaz.
É exatamente como eu me senti durante a exibição deste evento. Negros, brancos, asiáticos, latinos, ruivos, judeus, católicos, ateus, homossexuais (enrustidos e declarados), androides, mancos, anões, acho que vi até um Inca Venusiano na plateia, foi um show pirotécnico de diversidade para o mundo constatar que Hollywood é uma encantadora atração dos parques da Disney. O exagero não soa genuíno (algo que o filme escolhido para o prêmio máximo confirma, já que desvirtua a história real para mostrar o homem branco novamente salvando o dia), tudo muito calculado, logo, frio, sem emoção.
Os roteiros defendidos pelos apresentadores nunca foram um ponto forte no Oscar, mas ultimamente nada funciona, piadas tolas, clichês desgastados na interação entre os leitores de teleprompter. Sem brincadeira, estou aqui escrevendo este texto minutos depois do desfecho, mas já não lembro de quase nada do que ocorreu nos breves momentos entre as várias repetições de propagandas de pastas de dente. A iluminação do palco também não ajudou, lúgubre, parecia que estavam velando a arte, ao invés de celebrá-la.
E os discursos de agradecimento? Fiquei até com saudade da espontaneidade do bom e velho Roberto Benigni. Algumas vezes os vencedores falavam bem mais do que o tempo permitido, mas a música de enxotamento não tocava, creio que até o operador de som dormiu. A Lady Gaga, pouco inspirada, revisitando o clássico de Xuxa Meneghel: “acredite nos seus sonhos”; o Spike Lee entrando em parafuso, em conflito, sem saber se abraçava descaradamente o aval da Academia que tanto criticou, ou se investia na sua especialidade, a vitimização, foi patético.
Pode ter me escapado, mas creio que nenhum representante de “Bohemian Rhapsody” sequer citou o nome de seu diretor oficial, Bryan Singer, ou seu substituto, Dexter Fletcher, nos agradecimentos. Polêmicas à parte, devemos acreditar então que o filme foi realizado por uma entidade espiritual.
“Roma”, um dos poucos filmes realmente grandiosos e impecáveis na lista de indicados, que entrou em primeiro lugar na minha lista de Melhores do Ano (publicada em dezembro), competia por “Melhor Filme” e “Melhor Filme Estrangeiro”, uma esquizofrenia que eu realmente não consigo compreender. Algo me diz que seria muito mais justo e natural se a Academia abandonasse esta esmola anual para as indústrias estrangeiras, incorporando obras em outras línguas na premiação máxima.
Da forma que está e sempre foi, o Oscar trata os outros países como se tivesse vergonha deles, típico tapinha nas costas, seguido de limpeza das mãos com álcool em gel, como a locadora de vídeo que colocava uma prateleira separada para Cinema Nacional, como se fosse uma categoria diferente, algo como “Filmes de Marte”. Bom, “Roma” levou a esmola. E quem levou o prêmio máximo da noite?
“Green Book – O Guia”, o segundo filme mais fraco dentre os indicados, um roteiro rasteiro, banal, convencional, uma estrutura narrativa tão conservadora, que parece ter sido executada na década de 90. Os aplausos tímidos na plateia são o exemplo mais claro de que a mentira não se sustenta. Quando a politicagem acerta o passo com o mérito real na decisão, a coisa até dá certo, mas, no contrário, o incômodo se faz presente com uma contundência absurda. O prazo de validade do ouro desta estatueta já expirou antes mesmo do apagar das luzes.
É isto, pessoal. Se você ama e respeita o cinema, estude filmes de vários gêneros, épocas e nacionalidades, não leve a sério este jogo que movimenta a indústria, aumenta e diminui salários do dia para a noite, além de servir como um excelente antídoto para insônia.
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Perfeita análise, como sempre. Green Book é apenas correto, diplomático. Bohemian Rapsody tem a marca visual do Brian Singer, que deve mesmo ser uma pessoa detestável, mas separemos a obra do ser humano. Até porque, em se tratando de Hollywood, ninguém é santo. De resto, foi tudo lacração, o insuportável politicamente correto.
Grato pelo carinho com o meu trabalho, Alexandre.
Abração!