Séries

Crítica nostálgica da série “Smallville – As Aventuras do Superboy”

Smallville (2001-2011)

1989. Uma chuva de meteoros atinge a pacata cidade de Smallville, no Kansas. Juntamente com ela, um bebê é trazido à Terra em uma nave espacial, e é acudido por Jonathan (John Schneider) e Martha Kent (Annette O’Toole), sem saber que, um dia, ele se tornaria o salvador da humanidade. 

Hoje em dia é comum ler nos sites de cultura pop que “Smallville” foi pioneira, que carregou sozinha nas costas durante uma década o subgênero de super-heróis na televisão, antes disto virar moda e suprir diariamente a demanda destes próprios sites. A verdade é que, enquanto ela estava no ar, eu fui um dos poucos críticos que defendi os seus méritos, um longo texto meu no extinto site “cinema.com.br” abordando a última temporada chegou a ser compartilhado por fãs em vários destes portais como resposta às matérias negativas.

Eu acompanhei desde a exibição do episódio piloto, no horário nobre da Warner Channel, algo que estava sendo muito divulgado no período em que a internet ainda estava engatinhando no Brasil. O roteiro era acima da média, subvertia vários elementos do cânone do personagem nos quadrinhos, mas mantinha viva a essência que, por sinal, foi esquecida nos projetos cinematográficos seguintes, comandados por Zack Snyder.

Ao focar no jovem Clark, ainda se acostumando com sua condição alienígena, os roteiristas não precisaram dedicar espaço exagerado às sequências de ação e efeitos computadorizados, a preocupação era trabalhar as angústias adolescentes, os medos facilmente identificáveis pelo público, em suma, manter o aspecto humano acima de qualquer pirotecnia mítica.

Se o Superman dos filmes de Snyder se reduzia à uma massa de músculos que resolvia tudo com agressividade e não pensava duas vezes antes de destruir uma cidade inteira para eliminar um adversário, o Clark de “Smallville” usualmente se prejudicava exatamente por tentar proteger anonimamente seus amigos e até estranhos, principalmente do potencial descontrole de suas próprias habilidades especiais.

O arco narrativo do protagonista, apesar dos vários tropeços compreensíveis pela longa duração da série, merece aplausos de pé. A primeira temporada, a mais irregular, dedica tempo demais aos “freaks da semana”, com exceção dos últimos dois episódios, vemos vários problemas típicos dos adolescentes sendo projetados alegoricamente em antagonistas, como resultado da exposição à kriptonita. O detalhe inteligente é que, ao fazer isto, as tramas injetam no herói o sentimento de culpa, já que a sua cidade estaria livre de todo mal caso não houvesse ocorrido a chuva de meteoros, caso ele não existisse.

Da segunda temporada em diante, a produção ganha uma assinatura autoral mais forte, conduzindo o jovem da ignorância total de sua função na sociedade até o ponto em que ele se torna um farol de esperança, inspirando outros à corajosamente revelarem seus poderes, formando uma liga de heróis. E, toque precioso, ele inicialmente evita trabalhar em equipe, mas, eventualmente descobre que permanecer ajudando nas sombras não é a solução.

O mundo precisa enxergar claramente seu símbolo, como seu pai kriptoniano, Jor-El (Marlon Brando), afirmou em “Superman – O Filme”: “Eles desejam ser um ótimo povo, Kal-El, mas precisam da luz para mostrar o caminho”. O episódio “Beacon”, da última temporada, transmite com muita eficiência este leitmotiv, quando Chloe orgulhosamente revela ao amigo que ele não estava sozinho em sua batalha, utilizando vídeos de fãs da série dando carinhoso suporte ao “vigilante”.

É válido salientar a participação do saudoso Christopher Reeve no episódio “Rosetta”, uma passagem de bastão emotiva, demonstrando o respeito dos produtores pela tradição. Ele vive o cientista Swann, o primeiro que fornece ao jovem informações relevantes sobre sua linhagem real, posicionando ele no rumo incansável da curiosidade. Ainda nesta época, a amizade com o financeiramente privilegiado Lex Luthor começa a ruir, já que o segundo inveja terrivelmente o carinho que Clark recebe dos pais adotivos.

Lionel (John Glover), diferente de Jonathan e Martha, sempre tratou seu filho legítimo como um bastardo indesejado. Lana, um amor em comum, passa a ter olhos apenas para o filho dos fazendeiros, apesar de todos os benefícios que ele poderia oferecer. O mérito é de Rosenbaum, que considero a melhor versão do personagem até hoje, agregando camadas psicológicas nesta transição, culminando no vilão megalomaníaco dos quadrinhos.

Outra aquisição preciosa para a série foi a belíssima Erica Durance, como Lois Lane. Ela aparece na quarta temporada esbanjando carisma e vai ganhando maturidade nas temporadas seguintes. Ao contrário de Kristin, que acabou sendo uma pedra no sapato dos roteiristas, que não sabiam o que fazer com ela e sua apatia cênica, a química do novo casal conquistou imediatamente o público. Ela conseguia equilibrar o timing cômico e as tiradas espirituosas com a seriedade de uma jornalista investigativa.

No excelente final da décima temporada, o rapaz está pronto para cumprir seu destino, seguro e ciente de sua responsabilidade, entendendo que é fundamental aprender com os erros, que cada obstáculo em sua jornada foi importante. A linda escolha de emoldurar estes primeiros passos com o tema musical icônico composto por John Williams foi a cereja do bolo.

O Superman de Tom Welling transborda algo que falta em todos os seriados atuais de super-heróis: coração. E, por isto, ao contrário destes, calculados friamente em cada detalhe, mais preocupados em estimular crossovers, facilmente esquecidos dias depois do cancelamento, “Smallville” segue forte na lembrança dos fãs.

Cotação: 

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

View Comments

  • Chorei com sua análise perfeita. A gente tenta ver anova safra de séries da DC, mas é tipo tentar esquecer um amor com relações casuais. A diferença no nível dos roteiros chega a assustar. Não sei se o mundo emburreceu e as séries refletem isso, ou se o emburrecimento é intencional. Em Smalville eu chegava a estranhar o sucesso da série depois de alguns episódios mais complexos, com textos elaborados, citações...
    Eu percebo um "template" que deixa todas as series iguais (DC, Marvel...). Episódios idênticos, onde nada acontece, além um "herói" matando bandidos, e alguns diálogos em estilo vilão de desenho animado entre uma luta e outra, e elenco sem carisma.

    Smalville é um oásis no meio dessa pancadaria vazia, um desses eventos mágicos que raramente se repetem. Tipo chuva de meteoros...
    Parabéns pela sua resenha

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