Clash (Eshtebak – 2016)
Cairo, 2013 (dois anos após a revolução egípcia). Durante a queda do presidente islamita Morsi, um caminhão da polícia cheia de manifestantes detidos de fundos políticos e religiosos divergentes vaga por protestos violentos. Poderão os detentos superar suas diferenças para ter uma chance de sobrevivência?
O roteirista/diretor egípcio Mohamed Diab, do excelente “Cairo 678”, retornou em grande estilo, mais maduro e seguro em seu ofício. Nunca um espaço cênico tão reduzido, um camburão das Forças Armadas, serviu para explorar tantas questões sociopolíticas fundamentais, um microcosmo que encapsulará todos os conflitos de milhares de anos no Oriente Médio. O filme entrou em minha lista de Melhores do Ano (2017, quando estreou no Brasil) e em revisão recente, segue impecável em forma e conteúdo.
É impressionante que a câmera (na mão) jamais abandone o ponto de vista das vítimas, mantendo-se presa, “enxergando” o mundo externo da mesma forma que eles, através das grades, um trabalho hercúleo de precisão para captar os vários rostos, evoluindo os dramas pessoais sem truques narrativos, sem o recurso do flashback. Toques inteligentes de alívio cômico, construindo personagens carismáticos, o público realmente se importa com o que eles estão vivendo.
A utilização da iluminação verde na fotografia de Ahmed Gabr, dominante principalmente no desfecho apocalíptico, ressalta o aspecto mais animalesco, primitivo, intolerante, doente, naquelas figuras que, após todo tipo de humilhação, já perderam seus alicerces comportamentais. A adolescente religiosa que considerava desonroso mostrar seu cabelo, envergonhada por não conseguir urinar perto dos homens, acaba retornando para o molde original, despida de qualquer conceito abstrato. E, neste momento, quando o grupo é levado aos limites da resistência física e psicológica, todos os grilhões existenciais são rompidos, o ódio é aniquilado, as rivalidades são esquecidas, fala mais alto apenas a empatia natural.
Aqueles que praticamente se mataram horas antes por suas ideologias religiosas/políticas, agora valorizam a ternura nos pontos de identificação e se divertem cantando juntos em um dos poucos momentos tranquilos no confinamento. A câmera espiã dos jornalistas, outrora um símbolo odiado, passa a ser o porto seguro que eles buscam na hora mais desesperadora, quando nada mais fazia sentido. O registro daqueles minutos de leveza é o que os lembra de que ainda são gente.
É uma aula preciosa de cinema com baixíssimo orçamento e um ritmo vertiginoso. Filme de gente grande para gente grande.
Cotação:
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