Críticas

“A Filha dos Trapalhões”, de Dedé Santana

A Filha dos Trapalhões (1984)

Didi, Dedé, Mussum e Zacarias moram num barco flutuante, na maior miséria. Apesar disto, resolvem ficar e cuidar de um bebê encontrado abandonado por Didi, tratando a criança como se fosse sua própria filha. Anos depois, eles começam a trabalhar em um circo e lá conhecem Júlia (Myrian Rios), uma trapezista que no passado foi obrigada a vender sua filha para uma quadrilha que vendia bebês no exterior.

Ao buscar inspiração direta em seu ídolo Chaplin, Renato Aragão entregou talvez sua atuação mais sincera, nota-se o comprometimento com o projeto desde o início. O roteiro, adaptando o argumento de Renato e Dedé, tem o dedo sempre competente do saudoso Arnaud Rodrigues, também responsável pela marcante música-tema, que era considerado pelo eterno mestre Chico Anysio o melhor redator de comédia do país.

Após a conturbada separação do quarteto, evento que entristeceu todos que viveram aquele momento, o brasileiro abraçava carinhosamente aquele novo contexto, com a reunião evidenciando novos ares criativos para a fórmula dos Trapalhões no cinema, especialmente nesta comovente releitura de “O Garoto”, que considero o sexto melhor filme do grupo, dirigido com ternura latente por Dedé Santana, utilizando o humor para injetar críticas sociais até ousadas para a época, considerando o público-alvo, como o tratamento dado às mães solteiras pelo mercado de trabalho, ou a violência cometida contra moradores de rua por jovens endinheirados. Vera Gimenez vive a responsável por uma rede de tráfico internacional de crianças, sem qualquer filtro alegórico, tema que jamais seria abordado em filmes infantis hoje em dia. A coragem na trama é louvável.

Na bonita cena em que a menina afirma sua alegria por ter quatro pais, na humilde mesa de jantar, o roteiro equilibra muito bem drama e humor, com destaque para a punch line hilária, logo após Didi defender que ela terá tudo de bom, viverá como princesa, a pequena devolve inocentemente com: “Mas para isso, vocês vão ter que trabalhar!”, no que os quatro rapidamente mudam de conversa, alguns literalmente abandonam o local. A piada segue com uma resolução ainda mais sutil, insinuando que ela espertamente adotou a estratégia, reconhecendo as fragilidades dos adultos, somente para comer sozinha o bolo de seu aniversário. A simplicidade brilhante encanta e torna a obra atemporal.

O desfecho, que muitos colegas críticos na época apedrejaram por ser sentimental demais, mostrou-se ainda eficiente em revisão. Os quatro palhaços na plateia de um circo vazio aplaudindo emocionados o reencontro da pequena com sua mãe biológica no picadeiro. Esta imagem é a essência dos Trapalhões.

As pretensiosas bobagens engajadas que eram celebradas pelos mesmos profissionais na época seguem induzindo ao sono seus espectadores, enquanto o coração de “A Filha dos Trapalhões” segue pulsando com a mesma intensidade.

Cotação: 

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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