Três Faces (Se Rokh – 2018)
Behnaz Jafari, uma famosa atriz iraniana, recebe um vídeo perturbador de uma garota implorando por ajuda para escapar de sua família, o seu sonho é ser atriz. Ela então pede para seu amigo, o diretor Jafar Panahi, ajudá-la a descobrir se o vídeo é real ou uma manipulação. Juntos, eles seguem o caminho para a aldeia da menina nas remotas montanhas do norte, onde as tradições ancestrais continuam a ditar a vida local.
O cinema do diretor Jafar Panahi é intensamente encantador, ele foi o responsável por despertar meu interesse na pré-adolescência pelos filmes iranianos com o adorável “O Balão Branco”, seguido do ótimo “O Espelho”. A produção dele teve altos e baixos, mas até em seus esforços menos inspirados, como “Cortinas Fechadas”, ele conseguiu entregar algo acima da média. Após ser banido de trabalhar por vinte anos em seu país por motivos políticos, mesmo sem autorização, ele segue enfrentando corajosamente a estupidez com baixíssimo orçamento e ideias brilhantes, como em “Três Faces”.
Após a atriz se mostrar incomodada com a possibilidade de estar fazendo parte de um projeto cinematográfico roteirizado, questionando o diretor, a câmera, até aquele momento mantida próxima da dupla dentro do carro em um registro documental, finalmente é “abandonada” pelo veículo, acompanhando as figuras se distanciando na estrada, o elemento fantasioso se impõe, deixando claro que o interesse de Panahi não está em discutir o que é real ou ficção (o público não é enganado), nem propor uma crítica comportamental, mas sim, estabelecer contato conceitual com seu mestre, o saudoso Abbas Kiarostami, com ecos claros de “Close-up” e “Onde Fica a Casa do Meu Amigo?”, ao utilizar o contexto simples de um road movie como ferramenta para enaltecer o humanismo e a beleza do afeto.
O ato drástico filmado da adolescente, quando se torna o objeto de uma investigação informal, deixa latente a característica teatralizada de tudo, do estranho na estrada (ao que tudo indica) fascinado pelo som da buzina do carro (posteriormente desconstruído ao revelar em monólogo entediante a natureza patética de sua atitude, reforçando o leitomotiv da trama) ao ritual de casamento no topo da montanha.
Até aquele que improvisa seu diálogo, consciente da presença da câmera, procura firmar uma versão de sua personalidade, a realidade crua é insuportável até mesmo na solidão de seus próprios pensamentos. A matéria-prima do teatro/cinema e das religiões organizadas é a mesma, forjamos inconscientemente as tábuas de salvação, os dogmas, que são reconfigurados à medida em que a ilusão naturalmente se esvai. O problema nos rincões do Irã moderno é que o sistema teocrático não aceita que estes costumes já estão ultrapassados.
O retrógrado machismo na vila, consequência do fundamentalismo religioso, o preconceito com a cultura e com a possibilidade de uma mulher adentrar esta área, elementos enfrentados pelo diretor com a sua “arma”, o espírito libertário. Como sutilmente ele evidencia no esperançoso desfecho, mostrando uma mulher pintando ao ar livre, não importa quão agressivo é o obstáculo repressor, a arte sempre encontra um caminho.
Cotação:
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