Alguns relevantes devaneios antes da análise. A crítica profissional de um lançamento nunca desrespeita a experiência do espectador, logo, não ter spoilers é uma regra básica, somente amadores misturam a função crítica com a empolgação de um fã. Outro ponto importante, muito está sendo escrito na imprensa brasileira sobre a gigantesca quantidade de salas exibindo este filme, desabafos amargurados de colegas que parecem ignorar que cinema é, acima de tudo, indústria, comércio.
Hollywood sobrevive com os blockbusters, outrora faroestes e épicos religiosos, hoje em dia, com os super-heróis dos quadrinhos. O lucro dos filmes de gênero possibilita que os estúdios se arrisquem em projetos independentes, com menor (ou nenhum) apelo comercial. O raso pseudointelectual brasileiro (quase sempre) esquerdista tem a mania de achar que os norte-americanos são devoradores desalmados, capitalistas asquerosos, quando, na realidade, deveria aplaudir a extrema competência, o foco e a seriedade que fez eles se tornarem de forma justa a grande potência cinematográfica que são por décadas, atravessando todo tipo de crise.
Se dependesse da baixa criatividade e da preguiça intelectual do cineasta engajado brasileiro típico, aquele que idolatra Glauber Rocha e só produz obras umbilicais modorrentas, demonstrando desprezo por gêneros como a comédia, ação, terror e ficção-científica, nós estaríamos exportando os mais eficientes soníferos audiovisuais do mundo. A sorte deles (azar nosso) é que a qualidade é tão baixa, que o produto dificilmente cruza a fronteira.
Eu sou um apaixonado por quadrinhos desde criança, cresci lendo “Superaventuras Marvel”, como espectador eu me divirto, vibro, sei que estas aventuras são a realização de um sonho que a garotada da época pré-internet sequer imaginava ser possível, mas, como crítico, avalio lucidamente os pontos positivos e negativos. Por mais que eu tenha apontado diversos problemas nos projetos anteriores da Marvel, reverencio o inegável esforço do produtor Kevin Feige ao construir este império em apenas 11 anos, com vários personagens e tramas interligadas, entregando um produto que fascina fãs de quadrinhos e não-iniciados, de todas as idades, de todas as partes do mundo, que, nesta realidade atual dominada pelo streaming, não apenas compram o ingresso em pré-venda, como repetem a experiência várias vezes.
Há um mérito tremendo nisto, não é cuspindo como criança mimada no brinquedo caro do vizinho que vamos amadurecer nossa arte, os pais dele trabalharam muito para este objetivo, temos que aprender, praticar e lutar para que, em longo prazo, a indústria nacional verdadeiramente se profissionalize e ocupe melhores espaços não apenas na programação das nossas salas, como, principalmente, nos corações dos cinéfilos brasileiros.
Vingadores – Ultimato (Avengers: Endgame – 2019)
Após Thanos (Josh Brolin) eliminar metade das criaturas vivas, os Vingadores precisam lidar com a dor da perda de amigos e seus entes queridos. Com Tony Stark (Robert Downey Jr.) vagando perdido no espaço sem água nem comida, Steve Rogers (Chris Evans) e Natasha Romanov (Scarlett Johansson) precisam liderar a resistência contra o titã louco.
Há sérios problemas de ritmo no primeiro ato, sequências que poderiam ter sido enxugadas na sala de edição, opções esquisitas no segundo ato em arcos narrativos de alguns personagens, que soam pouco orgânicas com o que havia sido estabelecido até o momento, além da já usual inserção exagerada de alívios cômicos, mas não prejudicam a fluência da trama, especialmente levando em conta o investimento emocional dos fãs, parte fundamental desta equação.
Nada que foi apresentado até hoje pela Marvel no cinema pode ser equiparado à catarse da hora final, deslumbrante tecnicamente, conceitualmente brilhante ao apostar no heroísmo sem cinismo, infelizmente, fora de moda, amparado nas duas figuras do grupo que melhor representam estes valores, o Capitão América, que simboliza o potencial do indivíduo comum para o bem, e o Homem de Ferro, tratado com extrema dignidade por ter sido o pioneiro nas bilheterias e, graças ao carisma arrebatador de Robert Downey Jr., responsável por todo este universo.
Alegoricamente, como mostrado em seu filme de origem, o efeito do soro que deu força e resistência sobre-humanas à Steve Rogers só funcionou porque ele, ainda que franzino fisicamente, era uma fortaleza ética e moral, alguém capaz de se jogar em cima de uma granada para salvar seus colegas. Já Tony Stark, inicialmente arrogante e profundamente egoísta, incapaz de se sacrificar até mesmo pela mulher que ama, aprende com o sofrimento no período em que foi sequestrado a dar valor à vida, ele se reinventa entre deuses e alienígenas. A maneira que o roteiro de Christopher Markus e Stephen McFeely encontra para desafiar os dois nesta aventura é inteligentemente coerente com esta base psicológica, sem concessões, e, pela primeira vez na franquia, com real senso de consequência dramática.
Analisando em retrospectiva, o todo é levemente inferior à “Guerra Infinita”, “Guardiões da Galáxia” e boa parte dos filmes solo, mas um elemento precioso em “Ultimato” faz toda diferença, posiciona este épico de três horas de duração acima dos já citados, o coração que pulsa a todo minuto e contagia sobremaneira o espectador. Cinema também é paixão, não apenas dos cinéfilos, mas, principalmente, daqueles diretamente envolvidos com as produções. O amor exala pelos poros, transforma o case de sucesso empresarial para vender brinquedos em algo intimista, contemplativo, até audaciosamente autoral.
O roteiro respeita suas próprias regras, buscando inspiração clara nas mentes criativas de Steven Spielberg e Robert Zemeckis. Várias soluções e reviravoltas não fazem sentido lógico, mas, analisando lucidamente, quem busca lógica em “Vingadores – Ultimato” é cognitivamente deficiente ou apenas muito chato. A proposta é recompensar o público com uma experiência sensorial intensa, homenageando todos os capítulos anteriores, captando fielmente o espírito do material original, missão que é cumprida com louvor.
O saudoso mestre Stan Lee ficaria muito orgulhoso. Excelsior!
Cotação:
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