Críticas

“Karatê Kid – A Hora da Verdade”, de John G. Avildsen, na NETFLIX

Karatê Kid – A Hora da Verdade (The Karate Kid – 1984)

O adolescente Daniel (Ralph Macchio) se envolve com a ex-namorada (Elisabeth Shue) de Johnny (William Zabka), um mau caráter na escola, e passa a ser atormentado por seu grupo. Para sua sorte, ele contará com os ensinamentos de um mestre de karatê, o senhor Miyagi (Pat Morita), que o prepara para autodefesa e também para um importante campeonato.

O filme nos apresenta um jovem Daniel engolido pela cidade, após o destaque simbólico dado às pontes, quando a câmera finalmente insinua aproximação, ele está dentro do carro da mãe, apenas mais um veículo dentre vários enfileirados na rua, visto à distância, escutamos apenas a sua voz enquanto se despede daquela realidade. Momentos depois, ele finalmente aparece ao longe, empurrando o carro. Ao iniciar de forma fria e arrastada, o roteiro de Robert Mark Kamen contraria a expectativa, transmitindo ao espectador a banalidade do cotidiano do adolescente.

John G. Avildsen entende perfeitamente a mensagem, similar à de “Rocky – Um Lutador”, que ele dirigiu em 1976, mais do que um conto sobre amadurecimento, trata de algo muito específico, algo com que todo jovem se identifica, o leitmotiv da necessidade de se adaptar para sobreviver, utilizando a fluidez das artes marciais como alegoria.

Daniel é franzino, não tem o típico padrão de beleza, desajeitado, mas tem um bom coração, como vemos no momento em que ele se preocupa em saciar a sede do cão de sua nova vizinha. Já Johnny, aprendiz de métodos impiedosos no dojô Cobra Kai, encontra dificuldade em equilibrar seus impulsos agressivos no tatame e fora dele, ainda que adote uma personalidade radicalmente diferente quando os pais de sua ex-namorada estão presentes.

Ele não consegue aceitar a rejeição dela, ele se mostra incapaz de se adaptar, treinado por um sensei (Martin Kove) que dificulta psicologicamente ainda mais este processo, estimulando a negação de todos os problemas, o revide. O senhor Miyagi, veterano de guerra, traumatizado pelo trágico falecimento da mulher e do filho, foi forçado a se adaptar para não enlouquecer, o mestre ideal para Daniel, que sabiamente defende que o aprendizado do karatê encontra sentido no ato de evitar sua utilização, a transformação é interna.

Na cena do baile de fantasias, Daniel procura briga, ele provoca seu nêmesis, ele luta contra a passividade, acreditando equivocadamente que o enfrentamento do medo é fogo contra fogo, contrastando com a coreografia de suas lutas no terceiro ato, conscientemente simples, objetiva, localizando a oportunidade do golpe na defesa, refletindo os ensinamentos de Miyagi. O “encerar para esquerda, encerar para direita”, treinamento que consiste em evitar que o cérebro registre que algo está sendo aprendido, representa a quebra do convencional (perceba como o mestre rouba a faixa preta para garantir a entrada do garoto no torneio), o desapego à rigidez de códigos.

A péssima refilmagem moderna, protagonizada por Jackie Chan, ignora todo simbolismo e enxerga a história pelo viés óbvio do bullying, transformando o jovem Jaden Smith em uma máquina de golpes precisos, perdendo completamente a beleza metafórica do original, o elemento que verdadeiramente conquistou o público à época. Não se trata de lutas empolgantes, nem mesmo de artes marciais, o filme não teria sobrevivido todos estes anos com este direcionamento.

O confronto final é lembrado pelo golpe da garça, esteticamente bonito, ainda que nada eficiente na vida real, mas poucos entendem o significado. A garça é uma ave que se adapta muito bem a diversos tipos de ambientes aquáticos, mesmo em locais muito poluídos e degradados.

Daniel vence porque utilizou o karatê como ponte para deixar a insegurança de lado, abraçando a nova rotina longe de casa, pacientemente podando o bonsai, cortando os galhos desnecessários (desapegando), dando forma à árvore existencial, forjando um caráter forte, inabalável.

Cotação:

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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